Dito no Jornal do Centro em 2019*
* Publicado hoje no Jornal do Centro
[1/Março] Nestes tempos tão ásperos para a liberdade de expressão, às repressões antigas provenientes da religião e dos autoritarismos, há que somar também agora a repressão dos chuis da linguagem do politicamente correcto.
[29/Março] A nova ministra da Saúde, Marta Temido, é uma espécie de trigémea das manas Mortágua. Interessa-se muito com a ideologia e as abstracções que quer pôr na lei de bases, mas pouco com os problemas das pessoas.
Resultado: a classe média, assustada com o estado do SNS, vai arranjando seguros de saúde.
[5/Abril] Os “técnicos” de som das festas, em vez de confinarem a música aos recintos, abrem de tal maneira as goelas aos equipamentos que estes são ouvidos quilómetros e quilómetros em redor.
Este costume bárbaro é particularmente nefasto no Verão.
[10/Maio] O primeiro-ministro acaba de dizer aos professores que, com ele, os tempos felizes não voltam mais. O PS gosta de donos de restaurantes e de banqueiros. De profs não.
[21/Junho] Apesar de as câmaras agora preferirem o choupo, esse “eucalipto urbano” de crescimento rápido, ainda há algumas velhas tílias nas avenidas e nas praças.
[30/Agosto] Nos tempos que correm, uma boa parte dos assuntos da agenda mediática e política têm a ver com o corpo. São assuntos de biopolítica.
São as imposições alimentares, que tanto passam pela redução do sal e do açúcar como pelo crescente activismo veg que se vai radicalizar e tornar agressivo.
[11/Outubro] A seguir a uma legislatura sem partidos de protesto (a domesticação do BE e do PCP fez-lhes perder, respectivamente, 57 mil e 116 mil votos), vamos passar a ter uma voz anti-sistema (o Chega) e, de novo, vozes de protesto (a Iniciativa Liberal e o PCP).
[29/Novembro] A saturada e perigosa estrada que liga Viseu ao Sátão precisa de obras urgentes, orçadas em 3,3 milhões de euros, mas o governo, dono da estrada, diz que só as faz depois de chupar um milhão de euros à câmara de Viseu e 400 mil à câmara do Sátão.
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Os Olhos de Gato publicados no Jornal do Centro podem ser lidos aqui neste blogue clicando na etiqueta Jornal do Centro.
Segue-se a primeira leitura para esta selecção de fim-de-ano que, depois, foi devidamente tesourada para os necessários menos de 2000 caracteres:
4Jan
Festas e festinhas é com António Almeida Henriques. Já quanto a obras fica-se por anúncios mais anúncios, noves-fora-nada.*
No seu último “agora-é-que-vai-ser” no Mercado 2 de Maio, o edil viseense anunciou elevadores panorâmicos. Pode lá pôr já um que suba muito alto.
Para que dele se possa ver o Rossio e o panorama paralítico que vai naquela câmara.
11Jan
As pessoas desejam o que os outros desejam e odeiam o que os outros odeiam e essa imitação materializa-se em likes e partilhas.
As sociedades ligadas em rede como as nossas, apesar de toda a tecnologia que usam, são comandadas, como explica o filósofo francês, pelas pulsões primitivas de sempre — a alcateia de “haters” a uivar em cada indignação do Facebook parece-se muito com os antigos ritos sacrificiais, em que eram sangrados e queimados em aras os bodes expiatórios (os inimigos, as bruxas, os sacrílegos, …)
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A criança Trump precisa do “traficante” do lado de fora do muro com o México enquanto o seu clã faz negócios com os sauditas, o boçal Bolsonaro necessita da “petralhada” enquanto os filhos abrem a boca e sai asneira, o sinistro Puigdemont depende da diabolização do “espanhol” para que os catalães não vejam a sua mediocridade, o aflito Macron carece do “casseur” para ver se se safa daquele colete de onze varas em que está metido.
Até a nossa pacífica geringonça, pelo que se tem visto com a reacção à ida de um suástico a um programa de televisão, anseia por um “fascista” que possa ocupar o lugar de bode expiatório que está vago desde que saiu de cena Pedro Passos Coelho.
18Jan
Nos católicos há uma “hermenêutica mais flexível” que admite que “a Bíblia recorria com frequência a metáforas e a alegorias”, nos protestantes não.
É muito fácil constatar isso agora com os evangélicos no poder no Brasil. A ministra Damares Alves, depois de ter avistado Jesus num pé de goiaba, depois de ter “aberracionado” mulher com mulher e homem com homem, veio lamentar que a teoria da evolução de Darwin seja ensinada nas escolas e exasperar-se por a ciência estar entregue a... cientistas.
8Fev
Recomeçaram os avisos e as ameaças do ministro Cabrita: «evite coimas, limpe os 50 metros de terreno à volta da sua casa, e os 100 metros à volta da sua aldeia, até 15 de Março.»
É a mesma asneira do ano passado. Como se sabe, mato cortado tão cedo torna a crescer antes do Verão. Não se pode coimar a estupidez do legislador?
25Fev
Deepfakes são vídeos manipulados que põem pessoas a dizer e fazer coisas que elas nunca fizeram ou disseram. Estes vídeos estão cada vez mais realistas e de produção acessível a cada vez mais gente.
Escusado será dizer que um deepfake pode desfazer uma reputação, pode estraçalhar um político. Pior: ao ser indistinguível a verdade da mentira, tudo nos parecerá mentira.
Vai haver tecnologia de detecção de deepfakes mas que será sempre imperfeita. O mais importante é não sermos impulsivos nas partilhas nas redes sociais e usarmos canais com um histórico de rigor.
1Mar
Pois, é isso: é carnaval mas há quem leve a mal, é entrudo mas não vale tudo.
Nestes tempos tão ásperos para a liberdade de expressão, às repressões antigas provenientes da religião e dos autoritarismos, há que somar também agora a repressão dos chuis da linguagem do politicamente correcto.
O que é dito nos testamentos do Entrudo de Lazarim já desfez casamentos, já deu querelas em tribunal, mas nunca ninguém se zangou por uma comadre chamar “paneleiro” a um compadre, ou este chamar àquela “fressureira”. Isso em outros tempos. Agora, com os chuis da linguagem e os seus ofendidinhos politicamente correctos, é capaz de ser perigoso.
15Mar
Em todo o lado, os centros históricos das cidades estão a ser vedados, total ou parcialmente, à circulação automóvel. Em todo o lado menos em Viseu.
Em 2005, ainda houve uma tentativa mas, perante o clamor, a câmara desistiu. Ainda não havia evidências que um centro histórico livre de carros pode ser bom até para os negócios dos bares. Agora já há. Os Jardins Efémeros encarregaram-se de demonstrar que os viseenses não se importam de caminhar um pouco mais e ter as ruas e praças do centro histórico livres da poluição e do incómodo do trânsito.
Era bom, pelo menos nas noites dos fins-de-semana de Maio a Setembro, Viseu proporcionar às pessoas um centro histórico despoluído e civilizado.
29Mar
A nova ministra da Saúde, Marta Temido, é uma espécie de trigémea das manas Mortágua. Interessa-se muito com a ideologia e as abstracções que quer pôr na lei de bases, mas pouco com os problemas das pessoas. Resultado: a classe média, assustada com o estado do SNS, vai arranjando seguros de saúde.
Uma delegação de autarcas da CIM Viseu Dão Lafões acaba de ir em peregrinação à ministra mas regressou de mãos a abanar. As obras nas urgências do Hospital de S. Teotónio não avançam, apesar de já aprovadas e com comparticipação comunitária de 85%, mas a culpa não é dela... é das finanças. O Centro Oncológico não mexe mas a culpa não é dela... é da administração do hospital.
5Abril
Tratei aqui do familismo na política há mais de um ano, ainda não se conhecia, nem de perto nem de longe, a dimensão da endogamia que vai na cúpula socialista.
A tese que defendi então foi a seguinte: a bancarrota socrática, ao ter-nos levado as grandes empresas (a banca, a PT, a EDP, os CTT, ...) onde os nossos políticos costumavam prantar os familiares sem dar muito nas vistas, obriga-os agora a pôr os parentes em lugares de mais escrutínio.
Como estão mais visíveis, os media repararam e os parentes caíram na lama. Ainda há um ou outro comentador mais geringoncista e um ou outro aparelhista mais canino que refere a putativa “competência” especial desta fauna, mas vozes de burro não chegam ao céu.
Quem dera que todo este escrutínio resulte em listas menos nepóticas nas próximas legislativas.
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Os “técnicos” de som das festas, em vez de confinarem a música aos recintos, abrem de tal maneira as goelas aos equipamentos que estes são ouvidos quilómetros e quilómetros em redor. Este costume bárbaro é particularmente nefasto no Verão porque as pessoas precisam de ter as janelas abertas para refrescarem as casas e, com o barulho, não conseguem descansar.
19Abril
As nossas sociedades estão mais crispadas, mais sectárias, mais puritanas, e o primeiro alvo dessa fúria intolerante é a liberdade de expressão em geral e o humor em particular.
Não é por acaso que a maioria do tráfego de haters no FB do Jornal do Centro acontece nos comentários às peças da sua página de paródia, o Centro Leaks - Tintol & Traçadinho.
E essa censura não vem, como diz Nassim Nicholas Taleb, “do Estado em si” mas de “uma monocultura intelectual” imposta “por uma polícia do pensamento hiper-activa nos meios de comunicação social e na vida cultural.”
Eu tenho chamado aqui “chuis da linguagem” à malta dessa “polícia do pensamento”, sempre a ver “discursos de ódio” em tudo, sempre a censurar tudo, até o capuchinho vermelho. E essa repressão é feita nos dois mundos em que nós agora habitamos: o mundo real e o mundo virtual.
26Abril
Portugal é Lisboa, o resto é paisagem. Todos os governos sem excepção têm sido centralistas, mas o actual abusa.
No dia 1 de Setembro, estava ainda a ser cozinhado o orçamento de estado nos bastidores, já Fernando Medina anunciava 60 milhões de euros para passes fofinhos para os alfacinhas. Depois, perante o clamor do resto do país, o governo lá arranjou mais umas dezenas de milhões de euros para diluir na paisagem.
Agora, no dia 16 de Abril, como havia o risco de a greve dos motoristas secar os postos de combustível, a Resolução do Conselho de Ministros n.º 69-A/2019 prescreveu os seguintes serviços mínimos: “abastecimento de combustíveis aos postos de abastecimento da grande Lisboa e do grande Porto, tendo por referência 40% das operações asseguradas em dias em que não haja greve.”
Foi mesmo em letra de lei. Para o governo, a paisagem que ande a pé. Ou de burro.
Há aqui um padrão que o comportamentalista Ivan Petrovich Pavlov descreveu em laboratório em 1920: quem tem o verdadeiro poder na geringonça, como poliu durante muitos anos as cadeiras da câmara de Lisboa, como casou entre si, como se foi empregando mutuamente, tem um reflexo condicionado — saliva sempre primeiro por Lisboa.
3Maio
Apesar da oposição de várias organizações ciganas, alguns activistas que se dizem “racializados”, comandados pelo sr. Mamadou Ba do bloco de esquerda, têm feito tudo para prantar uma pergunta sobre origem étnica no Censos de 2021.
Ora, uma pergunta deste tipo é racista.
10Maio
O primeiro-ministro acaba de dizer aos professores que, com ele, os tempos felizes não voltam mais. O PS gosta de donos de restaurantes e de banqueiros. De profs não.
A partir de agora, só irá para professor quem não puder fazer mais nada. Daqui a poucos anos, vai haver falta de professores.
17Maio
Há evidências fotográficas e testemunhais de que aquele túnel por baixo da estação esteve sempre aberto ao trânsito, que, portanto, nunca foi uma câmara de gás, mas há sempre maluquinhos prontos a acreditar em qualquer patranha e construir, à volta dela, uma teoria da conspiração.
31Mai
Uma boa medida de combate à abstenção foi a novidade do voto antecipado que permitiu a uns milhares de eleitores votarem no domingo anterior, 19 de Maio.
Para eles não houve o tradicional sábado em que pára tudo e os media não podem falar “naquilo” que está na cabeça de toda a gente. Ficou ainda mais evidente quão absurdo é o chamado “dia de reflexão”.
7Jun
Este RIPismo, feito por especialistas mais ou menos instantâneos, divide-se em dois grandes grupos:
— o RIPismo que se foca nos feitos do génio que nos acabou de deixar e nos ajuda a compreender a sua obra;
— o RIPismo em que o vivo usa o óbito como pretexto para falar de si próprio (o dia em que encontrou o falecido, ou jantou na mesa dele, ou teve uma epifania com um seu poema, …); este RIPismo narcísico qualquer dia começa a tirar selfies junto aos caixões e publica-as no Instagram.
2. O RIPismo desta semana foi sobre Agustina Bessa-Luís.
Li textos muito bons sobre a romancista e o melhor deles foi de Rui Catalão que, no Facebook, lembrou que Agustina foi “a maior escritora de mão quente de todos os tempos: tudo o que dela conhecemos foi escrito ao primeiro rascunho, sem trabalho de edição nem reescrita”. Ela escrevia à mão, numa letra pequenina, ao “first take”, quase sem emendas nem rasuras.
É claro que nenhuma obra é feita “à primeira”, Agustina não fazia rascunhos no papel, fazia-os dentro da sua cabeça.
Aquilo que é o histórico de edições, as encruzilhadas narrativas, as hesitações, as personagens expulsas da história, as versões abandonadas, os esboços, aquilo a que Leibniz chamou «o grande mistério do que podia ter acontecido», tudo isso ficava-se pela cogitação interior de Agustina.
3. Paulo Ribeiro desistiu de tentar sacar em tribunal 53 mil euros ao Teatro Viriato por “despedimento ilícito” e o teatro municipal não vai pedir uma indemnização por aquele ataque ao seu bom nome.
RIP! Este caso faleceu quando ainda era só um esquisso esquisito, um esboço, um rascunho. Se nunca tivesse saído da cabeça do coreógrafo teria sido muito melhor. Especialmente para ele.
21Jun
Os identitários já não são capazes de conceber uma comunidade constituída por pessoas com um chão comum e um projecto de convivência colectiva capaz de conjugar as diferenças em paz e solidariedade.
Os identitários já só conseguem ver grupos, subgrupos e sub-subgrupos de indivíduos ressentidos, em conflito e com características tribais cada vez mais intrincadas.
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Apesar de as câmaras agora preferirem o choupo, esse “eucalipto urbano” de crescimento rápido, ainda há algumas velhas tílias nas avenidas e nas praças. Por exemplo, no Rossio de Viseu.
28Jun
A introdução dos autocarros amarelos em Viseu modificou a paisagem urbana e está a alterar, lentamente, a mobilidade das pessoas.
Nos últimos seis anos, a câmara, no essencial, derreteu os nossos impostos em festas e festinhas borliantes, para minorias. O novo sistema de transportes é a primeira medida estrutural feita depois de Fernando Ruas. Muito bem, vereador João Paulo Gouveia.
12Jul
Barroso e Sócrates fingiram que controlavam o défice, com truques contabilísticos e receitas extraordinárias. Passos e Costa, depois da bancarrota de 2011, controlaram-no mesmo. Numa coisa não houve diferença nenhuma entre estes quatro primeiros-ministros: todos eles usaram o pretexto do controlo do défice para centralizar, cada vez mais, todo o poder em Lisboa.
O ex-secretário de estado do ensino superior e professor de economia José Reis, aqui no Jornal do Centro, quantificou o que nos está a acontecer: de "2001 a 2017, o país perdeu 1% da sua população, mas na Área Metropolitana de Lisboa aumentou 5,8%. A própria Área Metropolitana do Porto perdeu 1%. O Norte, o Centro e o Alentejo perderam respectivamente 3,2%, 5,1% e 8,3%."
Lisboa é um íman que despovoa já não só o interior, mas todo o país. José Reis faz o diagnóstico exacto do que é agora Portugal: "um país unipolar, unicamente centrado e concentrado em Lisboa, com uma forte deslocação interna de recursos e uma desestruturação dos demais lugares".
Como o actual poder socialista é comandado por gente que gastou os fundilhos das calças na câmara de Lisboa, por gente que se casou e se nomeia para os gabinetes entre si, por gente que vai ganhar as próximas eleições, este panorama centralista dificilmente mudará.
19Jul
Os municípios de Viseu, Sátão, Nelas, Mangualde e Penalva do Castelo decidiram avançar para a construção de uma barragem que abasteça de água estes cinco concelhos. Excelente.
É importante fazer tudo para que sejam afastados, de vez, dois perigos: o de ficarmos dependentes da Águas de Portugal e dos seus boys e o de precisarmos de transvases provenientes de barragens de fora da região.
26Jul
Todas as campanhas eleitorais usam o medo para ganhar votos. Umas mais, outras menos, nenhuma dispensa a retórica da guerra entre o “nós”, onde mora a virtude, e o “eles”, onde habita o perigo.
Até não há muito tempo, esta batalha na lama tinha que ser protagonizada por políticos, com o microfone à frente, à vista de toda a gente. Agora os políticos de primeira linha já raramente fazem essa triste figurinha. As mensagens mais mentirosas são deixadas para as redes sociais e para a comunicação mais endereçada (WhatsApp, Messenger e afins).
2Ago
O politiquês, esse dialecto do politicamente correcto, deixou de chamar “interior” à parte do país a que não chega o cheiro do mar e agora prefere chamar-lhe “território-de-baixa-densidade”.
Já se sabe, os políticos são palavrosos, podendo usar quatro palavras não vão usar só uma e a nova designação faz algum sentido. Onde não chega o iodo e a maresia é cada vez mais baixa a densidade de serviços de saúde, de estações de correio, de agências da CGD, de transportes públicos com passes fofinhos, de estradas decentes não-portajadas.
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16Ago
Com a saída de Joaquim Seixas da câmara de Viseu, quem é que defende agora os viseenses dos decibéis em excesso produzidos pelo seu ex-colega Jorge Sobrado?
23Ago
As esquerdas, nas democracias liberais do ocidente, ainda vão entregando alguns resultados aos trabalhadores do sector público, mas já não fazem nada que se veja pelos jovens à procura do primeiro emprego, pelos precários, pelos trabalhadores do sector privado.
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Em suma, já se sabia que o Bloco de Esquerda é uma espécie de PS fashion, mas ainda se julgava que o PCP era o partido dos que sofrem, dos colarinhos azuis, dos descamisados.
Esta greve dos motoristas de matérias perigosas veio mostrar que afinal já nem o PCP serve para defender os trabalhadores do sector privado, os mais explorados deste país.
Estes, quando surgirem populismos à direita, vão votar neles. Vai ser feio de ver.
30Ago
Nos tempos que correm, uma boa parte dos assuntos da agenda mediática e política têm a ver com o corpo. São assuntos de biopolítica.
São as imposições alimentares, que tanto passam pela redução do sal e do açúcar como pelo crescente activismo veg que se vai radicalizar e tornar agressivo.
É, até, a construção do corpo dos políticos e a afirmação descomplexada das suas sexualidades: os peitorais de um deputado laranja, a tatuagem de uma deputada rosa que está no Tinder, a saída do armário da ministra da cultura e de um vice-presidente do CDS. E a este panorama só não se junta José Castelo Branco porque ele desistiu de ser candidato.
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Por cá, a reacção do CDS e do PSD à lei da identidade de género nas escolas parece indicar que acordaram para estas querelas do corpo, onde o bloco e a ala esquerda do PS têm pontificado sem contraditório.
Com o atraso pátrio do costume, também entre nós a biopolítica vai passar a ser muito mais dura.
27Set
Os governos já não conseguem fazer o bem. O ideal é que, ao menos, não tenham força para fazer o mal. Se forem fracos estragam pouco. Lembremos os 541 dias em que a Bélgica esteve sem governo, felicidade só interrompida quando as agências de notação ameaçaram desqualificar a dívida pública do país.
4Out
A campanha eleitoral que acaba hoje trouxe-nos o costume: outdoors nas rotundas; discursos zangados não se sabe com quê; comícios e bebícios com aparelhistas, boys e emplastros nas primeiras filas; feiras e mercados com candidatos e jornalistas à procura de algo castiço que dê algum tempero àquela estopada; arruadas em que aparecem uns "espontâneos" a abraçar o chefe, num teatro de papelão feito para as televisões.
Fora desta mesmice, tivemos um pouco Rui Rio e o PAN. Este, de tão veg, vai fazer diminuir a abstenção entre os talhantes.
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Um voto serve para duas coisas: eleger deputados e dar €2.90 por ano ao partido em que se vota, desde que este obtenha, pelo menos, 50 mil votos.
No distrito de Viseu, só dois ou três partidos deverão eleger deputados. Mas tenha isto presente: mesmo não votando em nenhum desses três, o seu voto pode ser muito útil - poderá valer, nos quatro anos da próxima legislatura, €11.60 para o partido da sua simpatia.
11Out
A seguir a uma legislatura sem partidos de protesto (a domesticação do BE e do PCP fez-lhes perder, respectivamente, 57 mil e 116 mil votos), vamos passar a ter uma voz anti-sistema (o Chega) e, de novo, vozes de protesto (a Iniciativa Liberal e o PCP).
Por sua vez, o Bloco, depois da sua campanha demagógica e errática, vai ter no Livre um concorrente directo no mercado do tribalismo identitário, um mercado sempre indignado com qualquer coisa e que vai dando assunto aos papagaios das televisões e aos viciados em likes das redes sociais.
25Out
Na Juventude e Desporto, João Paulo Rebelo vai ter os mesmos problemas e o mesmo contexto político dos últimos anos.
Já na Cidadania e Igualdade, Rosa Monteiro vai estar no meio de um vulcão. Em matéria de biopolítica, o panorama mudou à direita e à esquerda. Para além do Chega!, tanto o CDS como o PSD estão muito mais combativos nestas matérias, como se viu na reacção à lei da identidade de género nas escolas. E, à esquerda, o Bloco tem agora um concorrente, o Livre, a necessitar de fazer prova de vida no mercado do tribalismo identitário.
8Nov
António Almeida Henriques, mude de estratégia, a que adoptou nos seus primeiros seis anos não é boa. Seja frugal, responda ao básico: impostos moderados, eficácia nos fundos comunitários, ruas limpas, lixo recolhido a tempo e horas, ecopontos lavados com regularidade, bairros e aldeias dignificados, iluminação, segurança, empregos, empregos, empregos.
15Nov
Nos anos da primeira geringonça, as únicas lutas laborais com impacto foram impulsionadas por sindicatos independentes e críticos da CGTP e UGT.
A formação de um novo sindicato de professores, o STOP, obrigou Mário Nogueira a deixar-se de frescuras com o ministro da educação. As novas formas de financiamento das greves dos enfermeiros e a eficácia dos motoristas de matérias perigosas protagonizaram conflitos muito duros, diferentes do ramerrame dos sindicatos tradicionais.
A resposta do poder, como de costume, foi à bruta: auditorias manhosas à Ordem dos Enfermeiros, tropas a guiar camiões privados, ameaças de extinção do sindicato de motoristas, campanhas negras nos media e nas redes sociais contra a bastonária dos enfermeiros e o advogado do sindicato dos motoristas.
22Nov
Temos que ser livres. Não nos podemos deixar calar pelos novos “chuis da linguagem”. Perante alguém que nos venha, injustamente, com os agora costumeiros «racista!, homofóbico!, machista!», respondamos-lhe logo no melhor vernáculo. Perante alguém que venha com o agora costumeiro «estou ofendido com o que dizes», respondamos-lhe com um «mete uma rolha!».
29Nov
A saturada e perigosa estrada que liga Viseu ao Sátão, que dá acesso a todo o norte do distrito, precisa de obras urgentes, orçadas em 3,3 milhões de euros, mas o governo, dono da estrada, diz que só as faz depois de chupar um milhão de euros à câmara de Viseu e 400 mil à câmara do Sátão.
E os dois presidentes de câmara estão dispostos a aceitar esta chantagem. E a ANMP, dirigida pelo fraquíssimo presidente da câmara de Coimbra, aceita estas chantagens.
20Dez
assaram-se quatro anos e daquele concurso de ideias que custou muito dinheiro e muitas horas de trabalho não saiu nada. AAH mandou-o para o caixote do lixo e apareceu com um projecto novo, decidido nos gabinetes e sem escrutínio de ninguém.
O resultado não é famoso. Pelo que se percebe, a ideia é prantar, ao de cima do Mercado 2 de Maio, uma enorme estrutura, pesada e desgraciosa, com um custo estimado de 3,1 milhões de euros.
Já se viram WC para pombas mais baratos.
[1/Março] Nestes tempos tão ásperos para a liberdade de expressão, às repressões antigas provenientes da religião e dos autoritarismos, há que somar também agora a repressão dos chuis da linguagem do politicamente correcto.
[29/Março] A nova ministra da Saúde, Marta Temido, é uma espécie de trigémea das manas Mortágua. Interessa-se muito com a ideologia e as abstracções que quer pôr na lei de bases, mas pouco com os problemas das pessoas.
Resultado: a classe média, assustada com o estado do SNS, vai arranjando seguros de saúde.
[5/Abril] Os “técnicos” de som das festas, em vez de confinarem a música aos recintos, abrem de tal maneira as goelas aos equipamentos que estes são ouvidos quilómetros e quilómetros em redor.
Este costume bárbaro é particularmente nefasto no Verão.
[10/Maio] O primeiro-ministro acaba de dizer aos professores que, com ele, os tempos felizes não voltam mais. O PS gosta de donos de restaurantes e de banqueiros. De profs não.
[21/Junho] Apesar de as câmaras agora preferirem o choupo, esse “eucalipto urbano” de crescimento rápido, ainda há algumas velhas tílias nas avenidas e nas praças.
[30/Agosto] Nos tempos que correm, uma boa parte dos assuntos da agenda mediática e política têm a ver com o corpo. São assuntos de biopolítica.
São as imposições alimentares, que tanto passam pela redução do sal e do açúcar como pelo crescente activismo veg que se vai radicalizar e tornar agressivo.
[11/Outubro] A seguir a uma legislatura sem partidos de protesto (a domesticação do BE e do PCP fez-lhes perder, respectivamente, 57 mil e 116 mil votos), vamos passar a ter uma voz anti-sistema (o Chega) e, de novo, vozes de protesto (a Iniciativa Liberal e o PCP).
[29/Novembro] A saturada e perigosa estrada que liga Viseu ao Sátão precisa de obras urgentes, orçadas em 3,3 milhões de euros, mas o governo, dono da estrada, diz que só as faz depois de chupar um milhão de euros à câmara de Viseu e 400 mil à câmara do Sátão.
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Os Olhos de Gato publicados no Jornal do Centro podem ser lidos aqui neste blogue clicando na etiqueta Jornal do Centro.
Segue-se a primeira leitura para esta selecção de fim-de-ano que, depois, foi devidamente tesourada para os necessários menos de 2000 caracteres:
4Jan
Festas e festinhas é com António Almeida Henriques. Já quanto a obras fica-se por anúncios mais anúncios, noves-fora-nada.*
No seu último “agora-é-que-vai-ser” no Mercado 2 de Maio, o edil viseense anunciou elevadores panorâmicos. Pode lá pôr já um que suba muito alto.
Para que dele se possa ver o Rossio e o panorama paralítico que vai naquela câmara.
11Jan
As pessoas desejam o que os outros desejam e odeiam o que os outros odeiam e essa imitação materializa-se em likes e partilhas.
As sociedades ligadas em rede como as nossas, apesar de toda a tecnologia que usam, são comandadas, como explica o filósofo francês, pelas pulsões primitivas de sempre — a alcateia de “haters” a uivar em cada indignação do Facebook parece-se muito com os antigos ritos sacrificiais, em que eram sangrados e queimados em aras os bodes expiatórios (os inimigos, as bruxas, os sacrílegos, …)
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A criança Trump precisa do “traficante” do lado de fora do muro com o México enquanto o seu clã faz negócios com os sauditas, o boçal Bolsonaro necessita da “petralhada” enquanto os filhos abrem a boca e sai asneira, o sinistro Puigdemont depende da diabolização do “espanhol” para que os catalães não vejam a sua mediocridade, o aflito Macron carece do “casseur” para ver se se safa daquele colete de onze varas em que está metido.
Até a nossa pacífica geringonça, pelo que se tem visto com a reacção à ida de um suástico a um programa de televisão, anseia por um “fascista” que possa ocupar o lugar de bode expiatório que está vago desde que saiu de cena Pedro Passos Coelho.
18Jan
Nos católicos há uma “hermenêutica mais flexível” que admite que “a Bíblia recorria com frequência a metáforas e a alegorias”, nos protestantes não.
É muito fácil constatar isso agora com os evangélicos no poder no Brasil. A ministra Damares Alves, depois de ter avistado Jesus num pé de goiaba, depois de ter “aberracionado” mulher com mulher e homem com homem, veio lamentar que a teoria da evolução de Darwin seja ensinada nas escolas e exasperar-se por a ciência estar entregue a... cientistas.
8Fev
Recomeçaram os avisos e as ameaças do ministro Cabrita: «evite coimas, limpe os 50 metros de terreno à volta da sua casa, e os 100 metros à volta da sua aldeia, até 15 de Março.»
É a mesma asneira do ano passado. Como se sabe, mato cortado tão cedo torna a crescer antes do Verão. Não se pode coimar a estupidez do legislador?
25Fev
Deepfakes são vídeos manipulados que põem pessoas a dizer e fazer coisas que elas nunca fizeram ou disseram. Estes vídeos estão cada vez mais realistas e de produção acessível a cada vez mais gente.
Escusado será dizer que um deepfake pode desfazer uma reputação, pode estraçalhar um político. Pior: ao ser indistinguível a verdade da mentira, tudo nos parecerá mentira.
Vai haver tecnologia de detecção de deepfakes mas que será sempre imperfeita. O mais importante é não sermos impulsivos nas partilhas nas redes sociais e usarmos canais com um histórico de rigor.
1Mar
Pois, é isso: é carnaval mas há quem leve a mal, é entrudo mas não vale tudo.
Nestes tempos tão ásperos para a liberdade de expressão, às repressões antigas provenientes da religião e dos autoritarismos, há que somar também agora a repressão dos chuis da linguagem do politicamente correcto.
O que é dito nos testamentos do Entrudo de Lazarim já desfez casamentos, já deu querelas em tribunal, mas nunca ninguém se zangou por uma comadre chamar “paneleiro” a um compadre, ou este chamar àquela “fressureira”. Isso em outros tempos. Agora, com os chuis da linguagem e os seus ofendidinhos politicamente correctos, é capaz de ser perigoso.
15Mar
Em todo o lado, os centros históricos das cidades estão a ser vedados, total ou parcialmente, à circulação automóvel. Em todo o lado menos em Viseu.
Em 2005, ainda houve uma tentativa mas, perante o clamor, a câmara desistiu. Ainda não havia evidências que um centro histórico livre de carros pode ser bom até para os negócios dos bares. Agora já há. Os Jardins Efémeros encarregaram-se de demonstrar que os viseenses não se importam de caminhar um pouco mais e ter as ruas e praças do centro histórico livres da poluição e do incómodo do trânsito.
Era bom, pelo menos nas noites dos fins-de-semana de Maio a Setembro, Viseu proporcionar às pessoas um centro histórico despoluído e civilizado.
29Mar
A nova ministra da Saúde, Marta Temido, é uma espécie de trigémea das manas Mortágua. Interessa-se muito com a ideologia e as abstracções que quer pôr na lei de bases, mas pouco com os problemas das pessoas. Resultado: a classe média, assustada com o estado do SNS, vai arranjando seguros de saúde.
Uma delegação de autarcas da CIM Viseu Dão Lafões acaba de ir em peregrinação à ministra mas regressou de mãos a abanar. As obras nas urgências do Hospital de S. Teotónio não avançam, apesar de já aprovadas e com comparticipação comunitária de 85%, mas a culpa não é dela... é das finanças. O Centro Oncológico não mexe mas a culpa não é dela... é da administração do hospital.
5Abril
Tratei aqui do familismo na política há mais de um ano, ainda não se conhecia, nem de perto nem de longe, a dimensão da endogamia que vai na cúpula socialista.
A tese que defendi então foi a seguinte: a bancarrota socrática, ao ter-nos levado as grandes empresas (a banca, a PT, a EDP, os CTT, ...) onde os nossos políticos costumavam prantar os familiares sem dar muito nas vistas, obriga-os agora a pôr os parentes em lugares de mais escrutínio.
Como estão mais visíveis, os media repararam e os parentes caíram na lama. Ainda há um ou outro comentador mais geringoncista e um ou outro aparelhista mais canino que refere a putativa “competência” especial desta fauna, mas vozes de burro não chegam ao céu.
Quem dera que todo este escrutínio resulte em listas menos nepóticas nas próximas legislativas.
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Os “técnicos” de som das festas, em vez de confinarem a música aos recintos, abrem de tal maneira as goelas aos equipamentos que estes são ouvidos quilómetros e quilómetros em redor. Este costume bárbaro é particularmente nefasto no Verão porque as pessoas precisam de ter as janelas abertas para refrescarem as casas e, com o barulho, não conseguem descansar.
19Abril
As nossas sociedades estão mais crispadas, mais sectárias, mais puritanas, e o primeiro alvo dessa fúria intolerante é a liberdade de expressão em geral e o humor em particular.
Não é por acaso que a maioria do tráfego de haters no FB do Jornal do Centro acontece nos comentários às peças da sua página de paródia, o Centro Leaks - Tintol & Traçadinho.
E essa censura não vem, como diz Nassim Nicholas Taleb, “do Estado em si” mas de “uma monocultura intelectual” imposta “por uma polícia do pensamento hiper-activa nos meios de comunicação social e na vida cultural.”
Eu tenho chamado aqui “chuis da linguagem” à malta dessa “polícia do pensamento”, sempre a ver “discursos de ódio” em tudo, sempre a censurar tudo, até o capuchinho vermelho. E essa repressão é feita nos dois mundos em que nós agora habitamos: o mundo real e o mundo virtual.
26Abril
Portugal é Lisboa, o resto é paisagem. Todos os governos sem excepção têm sido centralistas, mas o actual abusa.
No dia 1 de Setembro, estava ainda a ser cozinhado o orçamento de estado nos bastidores, já Fernando Medina anunciava 60 milhões de euros para passes fofinhos para os alfacinhas. Depois, perante o clamor do resto do país, o governo lá arranjou mais umas dezenas de milhões de euros para diluir na paisagem.
Agora, no dia 16 de Abril, como havia o risco de a greve dos motoristas secar os postos de combustível, a Resolução do Conselho de Ministros n.º 69-A/2019 prescreveu os seguintes serviços mínimos: “abastecimento de combustíveis aos postos de abastecimento da grande Lisboa e do grande Porto, tendo por referência 40% das operações asseguradas em dias em que não haja greve.”
Foi mesmo em letra de lei. Para o governo, a paisagem que ande a pé. Ou de burro.
Há aqui um padrão que o comportamentalista Ivan Petrovich Pavlov descreveu em laboratório em 1920: quem tem o verdadeiro poder na geringonça, como poliu durante muitos anos as cadeiras da câmara de Lisboa, como casou entre si, como se foi empregando mutuamente, tem um reflexo condicionado — saliva sempre primeiro por Lisboa.
3Maio
Apesar da oposição de várias organizações ciganas, alguns activistas que se dizem “racializados”, comandados pelo sr. Mamadou Ba do bloco de esquerda, têm feito tudo para prantar uma pergunta sobre origem étnica no Censos de 2021.
Ora, uma pergunta deste tipo é racista.
10Maio
O primeiro-ministro acaba de dizer aos professores que, com ele, os tempos felizes não voltam mais. O PS gosta de donos de restaurantes e de banqueiros. De profs não.
A partir de agora, só irá para professor quem não puder fazer mais nada. Daqui a poucos anos, vai haver falta de professores.
17Maio
Há evidências fotográficas e testemunhais de que aquele túnel por baixo da estação esteve sempre aberto ao trânsito, que, portanto, nunca foi uma câmara de gás, mas há sempre maluquinhos prontos a acreditar em qualquer patranha e construir, à volta dela, uma teoria da conspiração.
31Mai
Uma boa medida de combate à abstenção foi a novidade do voto antecipado que permitiu a uns milhares de eleitores votarem no domingo anterior, 19 de Maio.
Para eles não houve o tradicional sábado em que pára tudo e os media não podem falar “naquilo” que está na cabeça de toda a gente. Ficou ainda mais evidente quão absurdo é o chamado “dia de reflexão”.
7Jun
Este RIPismo, feito por especialistas mais ou menos instantâneos, divide-se em dois grandes grupos:
— o RIPismo que se foca nos feitos do génio que nos acabou de deixar e nos ajuda a compreender a sua obra;
— o RIPismo em que o vivo usa o óbito como pretexto para falar de si próprio (o dia em que encontrou o falecido, ou jantou na mesa dele, ou teve uma epifania com um seu poema, …); este RIPismo narcísico qualquer dia começa a tirar selfies junto aos caixões e publica-as no Instagram.
2. O RIPismo desta semana foi sobre Agustina Bessa-Luís.
Li textos muito bons sobre a romancista e o melhor deles foi de Rui Catalão que, no Facebook, lembrou que Agustina foi “a maior escritora de mão quente de todos os tempos: tudo o que dela conhecemos foi escrito ao primeiro rascunho, sem trabalho de edição nem reescrita”. Ela escrevia à mão, numa letra pequenina, ao “first take”, quase sem emendas nem rasuras.
É claro que nenhuma obra é feita “à primeira”, Agustina não fazia rascunhos no papel, fazia-os dentro da sua cabeça.
Aquilo que é o histórico de edições, as encruzilhadas narrativas, as hesitações, as personagens expulsas da história, as versões abandonadas, os esboços, aquilo a que Leibniz chamou «o grande mistério do que podia ter acontecido», tudo isso ficava-se pela cogitação interior de Agustina.
3. Paulo Ribeiro desistiu de tentar sacar em tribunal 53 mil euros ao Teatro Viriato por “despedimento ilícito” e o teatro municipal não vai pedir uma indemnização por aquele ataque ao seu bom nome.
RIP! Este caso faleceu quando ainda era só um esquisso esquisito, um esboço, um rascunho. Se nunca tivesse saído da cabeça do coreógrafo teria sido muito melhor. Especialmente para ele.
21Jun
Os identitários já não são capazes de conceber uma comunidade constituída por pessoas com um chão comum e um projecto de convivência colectiva capaz de conjugar as diferenças em paz e solidariedade.
Os identitários já só conseguem ver grupos, subgrupos e sub-subgrupos de indivíduos ressentidos, em conflito e com características tribais cada vez mais intrincadas.
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Apesar de as câmaras agora preferirem o choupo, esse “eucalipto urbano” de crescimento rápido, ainda há algumas velhas tílias nas avenidas e nas praças. Por exemplo, no Rossio de Viseu.
28Jun
A introdução dos autocarros amarelos em Viseu modificou a paisagem urbana e está a alterar, lentamente, a mobilidade das pessoas.
Nos últimos seis anos, a câmara, no essencial, derreteu os nossos impostos em festas e festinhas borliantes, para minorias. O novo sistema de transportes é a primeira medida estrutural feita depois de Fernando Ruas. Muito bem, vereador João Paulo Gouveia.
12Jul
Barroso e Sócrates fingiram que controlavam o défice, com truques contabilísticos e receitas extraordinárias. Passos e Costa, depois da bancarrota de 2011, controlaram-no mesmo. Numa coisa não houve diferença nenhuma entre estes quatro primeiros-ministros: todos eles usaram o pretexto do controlo do défice para centralizar, cada vez mais, todo o poder em Lisboa.
O ex-secretário de estado do ensino superior e professor de economia José Reis, aqui no Jornal do Centro, quantificou o que nos está a acontecer: de "2001 a 2017, o país perdeu 1% da sua população, mas na Área Metropolitana de Lisboa aumentou 5,8%. A própria Área Metropolitana do Porto perdeu 1%. O Norte, o Centro e o Alentejo perderam respectivamente 3,2%, 5,1% e 8,3%."
Lisboa é um íman que despovoa já não só o interior, mas todo o país. José Reis faz o diagnóstico exacto do que é agora Portugal: "um país unipolar, unicamente centrado e concentrado em Lisboa, com uma forte deslocação interna de recursos e uma desestruturação dos demais lugares".
Como o actual poder socialista é comandado por gente que gastou os fundilhos das calças na câmara de Lisboa, por gente que se casou e se nomeia para os gabinetes entre si, por gente que vai ganhar as próximas eleições, este panorama centralista dificilmente mudará.
19Jul
Os municípios de Viseu, Sátão, Nelas, Mangualde e Penalva do Castelo decidiram avançar para a construção de uma barragem que abasteça de água estes cinco concelhos. Excelente.
É importante fazer tudo para que sejam afastados, de vez, dois perigos: o de ficarmos dependentes da Águas de Portugal e dos seus boys e o de precisarmos de transvases provenientes de barragens de fora da região.
26Jul
Todas as campanhas eleitorais usam o medo para ganhar votos. Umas mais, outras menos, nenhuma dispensa a retórica da guerra entre o “nós”, onde mora a virtude, e o “eles”, onde habita o perigo.
Até não há muito tempo, esta batalha na lama tinha que ser protagonizada por políticos, com o microfone à frente, à vista de toda a gente. Agora os políticos de primeira linha já raramente fazem essa triste figurinha. As mensagens mais mentirosas são deixadas para as redes sociais e para a comunicação mais endereçada (WhatsApp, Messenger e afins).
2Ago
O politiquês, esse dialecto do politicamente correcto, deixou de chamar “interior” à parte do país a que não chega o cheiro do mar e agora prefere chamar-lhe “território-de-baixa-densidade”.
Já se sabe, os políticos são palavrosos, podendo usar quatro palavras não vão usar só uma e a nova designação faz algum sentido. Onde não chega o iodo e a maresia é cada vez mais baixa a densidade de serviços de saúde, de estações de correio, de agências da CGD, de transportes públicos com passes fofinhos, de estradas decentes não-portajadas.
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16Ago
Com a saída de Joaquim Seixas da câmara de Viseu, quem é que defende agora os viseenses dos decibéis em excesso produzidos pelo seu ex-colega Jorge Sobrado?
23Ago
As esquerdas, nas democracias liberais do ocidente, ainda vão entregando alguns resultados aos trabalhadores do sector público, mas já não fazem nada que se veja pelos jovens à procura do primeiro emprego, pelos precários, pelos trabalhadores do sector privado.
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Em suma, já se sabia que o Bloco de Esquerda é uma espécie de PS fashion, mas ainda se julgava que o PCP era o partido dos que sofrem, dos colarinhos azuis, dos descamisados.
Esta greve dos motoristas de matérias perigosas veio mostrar que afinal já nem o PCP serve para defender os trabalhadores do sector privado, os mais explorados deste país.
Estes, quando surgirem populismos à direita, vão votar neles. Vai ser feio de ver.
30Ago
Nos tempos que correm, uma boa parte dos assuntos da agenda mediática e política têm a ver com o corpo. São assuntos de biopolítica.
São as imposições alimentares, que tanto passam pela redução do sal e do açúcar como pelo crescente activismo veg que se vai radicalizar e tornar agressivo.
É, até, a construção do corpo dos políticos e a afirmação descomplexada das suas sexualidades: os peitorais de um deputado laranja, a tatuagem de uma deputada rosa que está no Tinder, a saída do armário da ministra da cultura e de um vice-presidente do CDS. E a este panorama só não se junta José Castelo Branco porque ele desistiu de ser candidato.
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Por cá, a reacção do CDS e do PSD à lei da identidade de género nas escolas parece indicar que acordaram para estas querelas do corpo, onde o bloco e a ala esquerda do PS têm pontificado sem contraditório.
Com o atraso pátrio do costume, também entre nós a biopolítica vai passar a ser muito mais dura.
27Set
Os governos já não conseguem fazer o bem. O ideal é que, ao menos, não tenham força para fazer o mal. Se forem fracos estragam pouco. Lembremos os 541 dias em que a Bélgica esteve sem governo, felicidade só interrompida quando as agências de notação ameaçaram desqualificar a dívida pública do país.
4Out
A campanha eleitoral que acaba hoje trouxe-nos o costume: outdoors nas rotundas; discursos zangados não se sabe com quê; comícios e bebícios com aparelhistas, boys e emplastros nas primeiras filas; feiras e mercados com candidatos e jornalistas à procura de algo castiço que dê algum tempero àquela estopada; arruadas em que aparecem uns "espontâneos" a abraçar o chefe, num teatro de papelão feito para as televisões.
Fora desta mesmice, tivemos um pouco Rui Rio e o PAN. Este, de tão veg, vai fazer diminuir a abstenção entre os talhantes.
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Um voto serve para duas coisas: eleger deputados e dar €2.90 por ano ao partido em que se vota, desde que este obtenha, pelo menos, 50 mil votos.
No distrito de Viseu, só dois ou três partidos deverão eleger deputados. Mas tenha isto presente: mesmo não votando em nenhum desses três, o seu voto pode ser muito útil - poderá valer, nos quatro anos da próxima legislatura, €11.60 para o partido da sua simpatia.
11Out
A seguir a uma legislatura sem partidos de protesto (a domesticação do BE e do PCP fez-lhes perder, respectivamente, 57 mil e 116 mil votos), vamos passar a ter uma voz anti-sistema (o Chega) e, de novo, vozes de protesto (a Iniciativa Liberal e o PCP).
Por sua vez, o Bloco, depois da sua campanha demagógica e errática, vai ter no Livre um concorrente directo no mercado do tribalismo identitário, um mercado sempre indignado com qualquer coisa e que vai dando assunto aos papagaios das televisões e aos viciados em likes das redes sociais.
25Out
Na Juventude e Desporto, João Paulo Rebelo vai ter os mesmos problemas e o mesmo contexto político dos últimos anos.
Já na Cidadania e Igualdade, Rosa Monteiro vai estar no meio de um vulcão. Em matéria de biopolítica, o panorama mudou à direita e à esquerda. Para além do Chega!, tanto o CDS como o PSD estão muito mais combativos nestas matérias, como se viu na reacção à lei da identidade de género nas escolas. E, à esquerda, o Bloco tem agora um concorrente, o Livre, a necessitar de fazer prova de vida no mercado do tribalismo identitário.
8Nov
António Almeida Henriques, mude de estratégia, a que adoptou nos seus primeiros seis anos não é boa. Seja frugal, responda ao básico: impostos moderados, eficácia nos fundos comunitários, ruas limpas, lixo recolhido a tempo e horas, ecopontos lavados com regularidade, bairros e aldeias dignificados, iluminação, segurança, empregos, empregos, empregos.
15Nov
Nos anos da primeira geringonça, as únicas lutas laborais com impacto foram impulsionadas por sindicatos independentes e críticos da CGTP e UGT.
A formação de um novo sindicato de professores, o STOP, obrigou Mário Nogueira a deixar-se de frescuras com o ministro da educação. As novas formas de financiamento das greves dos enfermeiros e a eficácia dos motoristas de matérias perigosas protagonizaram conflitos muito duros, diferentes do ramerrame dos sindicatos tradicionais.
A resposta do poder, como de costume, foi à bruta: auditorias manhosas à Ordem dos Enfermeiros, tropas a guiar camiões privados, ameaças de extinção do sindicato de motoristas, campanhas negras nos media e nas redes sociais contra a bastonária dos enfermeiros e o advogado do sindicato dos motoristas.
22Nov
Temos que ser livres. Não nos podemos deixar calar pelos novos “chuis da linguagem”. Perante alguém que nos venha, injustamente, com os agora costumeiros «racista!, homofóbico!, machista!», respondamos-lhe logo no melhor vernáculo. Perante alguém que venha com o agora costumeiro «estou ofendido com o que dizes», respondamos-lhe com um «mete uma rolha!».
29Nov
A saturada e perigosa estrada que liga Viseu ao Sátão, que dá acesso a todo o norte do distrito, precisa de obras urgentes, orçadas em 3,3 milhões de euros, mas o governo, dono da estrada, diz que só as faz depois de chupar um milhão de euros à câmara de Viseu e 400 mil à câmara do Sátão.
E os dois presidentes de câmara estão dispostos a aceitar esta chantagem. E a ANMP, dirigida pelo fraquíssimo presidente da câmara de Coimbra, aceita estas chantagens.
20Dez
assaram-se quatro anos e daquele concurso de ideias que custou muito dinheiro e muitas horas de trabalho não saiu nada. AAH mandou-o para o caixote do lixo e apareceu com um projecto novo, decidido nos gabinetes e sem escrutínio de ninguém.
O resultado não é famoso. Pelo que se percebe, a ideia é prantar, ao de cima do Mercado 2 de Maio, uma enorme estrutura, pesada e desgraciosa, com um custo estimado de 3,1 milhões de euros.
Já se viram WC para pombas mais baratos.
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