Carnaval, entrudo, liberdade*

* Hoje no Jornal do Centro


Estão a chegar os três dias de entrudo. E, segundo prevê a meteorologia, depois da primavera antecipada que tivemos, no carnaval vai estar frio para arroxear as carnes das matrafonas mais descascadas.

Dulce Simões, num texto académico intitulado “Carnaval em Lazarim: máscaras, testamentos e práticas carnavalescas”, caracteriza o que se passa nestes dias como “um sistema simbólico associado à transição do Inverno para a Primavera, do velho para o novo, da morte para a vida”, um sempre repetido “ciclo de renovação cósmica e social, tempo de utopia e transgressão, onde o marginalizado busca uma libertação catártica, vencendo simbolicamente a hierarquia, a ordem, a opressão, e o sagrado.”

No carnaval, ninguém leva a mal. No entrudo, vale tudo. Mas será que ninguém leva a mal? Mas será que vale mesmo tudo?

No ano passado contei aqui o caso de Carlos Santiago, cujo “Pregón de Entroido” que fez em Santiago de Compostela pôs aquele excelente monologuista debaixo de tiro da igreja e da direita espanhola mais retrógada.


Fotografia daqui
Já este ano, Bruno Melo, o escultor que pôs uma “Nossa Senhora da Bola” num monumento ao Carnaval de Torres Vedras, viu a paróquia da terra muito zangada a obrigar o município a retirá-la.

Pois, é isso: é carnaval mas há quem leve a mal, é entrudo mas não vale tudo.

Nestes tempos tão ásperos para a liberdade de expressão, às repressões antigas provenientes da religião e dos autoritarismos, há que somar também agora a repressão dos chuis da linguagem do politicamente correcto.

O que é dito nos testamentos do Entrudo de Lazarim já desfez casamentos, já deu querelas em tribunal, mas nunca ninguém se zangou por uma comadre chamar “paneleiro” a um compadre, ou este chamar àquela “fressureira”. Isso em outros tempos. Agora, com os chuis da linguagem e os seus ofendidinhos politicamente correctos, é capaz de ser perigoso.

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