Os seus vestidos pretos fechados [Maria do Rosário Pedreira 3]
Fotografia de Ali Gandomi |
Os seus vestidos pretos fechados
no armário lançam uma sombra
funesta nos meus dias. A sua voz
eterna na fita do telefone é outro
espinho cravado no meu silêncio.
Roubei-lhe, sem saber, todas as
palavras que te disse — porque,
num beijo meu, são ainda os seus
lábios que procuras, é dela o corpo
que abraças quando me abraças.
Se adormecer ao teu lado mais
esta noite, sei que os seus olhos
hão-de pousar gelados nas minhas
pálpebras, roubando-me a secreta
ilusão desse repouso. E amanhã,
se por acaso saíres antes de mim,
vão esses olhos perseguir-me pelos
corredores, como a expulsar-me
para sempre desta casa. O tempo
é implacável com quem aguarda
em segredo o esquecimento de
uma morte. Deixa-me, por isso,
aguardá-lo contigo; e, entretanto,
basta que me mintas, sim, mente,
mas nunca me digas o seu nome.
Maria do Rosário Pedreira
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