Nem que as cortinas abertas revelassem o ângulo

Fotografia de Joe Lee

Nem que as cortinas abertas revelassem o ângulo
dos teus olhos os teus cabelos que o sal tivesse molhado
eu quereria espreitar-te roubar-te ao tempo
nem que me mostrasses a camisa branca o cetim e a seda
a promessa da nudez nem que me convidasses para o equinócio
me enviasses os perfumes das manhãs na Pérsia eu te quereria
nem que suspendesses o eixo que segura o mundo
que tecesses a ouro fino o caminho que um trapezista
pudesse atravessar para encontrar a lua eu te quereria
eu não te quereria nem que sacrificasses
o touro azul que derramasses o vinho aos meus pés
que voasses num tapete que interrompesses a roda dos meus véus
eu te quereria eu não te quereria nunca mais não te quero nunca mais
nem que as cortinas arregaçadas pela primavera me revelassem
a explosão mansa e breve dos teus olhos bons
que eu nunca mais vi
Mafalda Sofia Gomes


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