Eucaliptal

Fotografia de Gérard Castello-Lopes

Quem regressa a Portugal regressa ao medo

de falar sem alçapões de protecção

conventual, ao respeitinho pelos títulos

de borra, à timidez de protestar nas oficinas,

nos empregos, nos polés, nos hospitais.


Volta ao gozo bichaneiro da franqueza

pelas costas, ao bitate regougado

pela incúria, ao leve gás do palavrão

desopilante, pusilânime, vendado,

ao complacente desamor da liberdade.


Regressar a Portugal é regressar

ao desapego por direitos e deveres,

à indiferença pela história colectiva,

pelo que quer que sobrepuje o cá-se-vai

dum comodismo sem coragem nem prazer.


É regressar a horizontes de betão

e eucalipto, a frustrados atoleiros

de automóveis à deriva, ao fanico

de salários sobrevivos, mordaçantes,

ao cajado da lisonja e da preguiça.


Quem regressa a Portugal, regressa ao tempo,

sobretudo, da infância, que o lugar

já foi levado (não me canso de o dizer,

nem me conformo) pelo tufão da mais-valia

predial. Mas se o tempo da infância


cabe inteiro na memória, quem regressa

a Portugal, regressa a quê e para quê?

José Miguel Silva


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