Os animais carnívoros [Herberto Helder 10]

Fotografia de Sean Ong

Dava pelo nome muito estrangeiro de Amor, era preciso
chamá-lo sem voz - difundia uma colorida multiplicação de mãos,
e aparecia depois todo nu escutando-se a si mesmo,
e fazia de estátua durante um parque inteiro,
de repente voltava-se e acontecera um crime, os jornais
diziam, ele vinha em estado completo de fotografia embriagada,
descobria-se sangue, a vítima caminhava com uma pêra na mão,
a boca estava impressa na doçura intransponível da pêra,
e depois já se não sabia o que fazer, ele era belo muito,
daquela espécie de beleza repentina e urgente,
inspirava a mais terrível acção do louvor, mas vinha comer às
nossas mãos, e bastava que tivéssemos muito silêncio para isso,
e então os dias cruzavam-se uns pelos outros e no meio habitava
uma montanha intensa, e mais tarde às noites trocavam-se e no meio
o que existia agora era uma plantação de espelhos,
o Amor aparecia e desaparecia em todos eles,
e tínhamos de ficar imóveis e sem compreender, porque ele era
uma criança assassina e andava pela terra com as suas
camisas brancas abertas,
as suas camisas negras e vermelhas todas desabotoadas.
Herberto Helder




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