Sáurios *

     Ainda vivíamos nos tempos do fascismo. 
     Jerzy Bauer, fotógrafo do L’Express, levou José Cardoso Pires a um jardim de Londres que está cheio de dinossauros e tirou-lhe lá umas fotografias. Há uma dessas fotografias na contra-capa de “Dinossauro Excelentíssimo”, em que o escritor posa à frente dum destes sáurios do Jardim de Crystal Palace. 
     Tenho uma edição de “Dinossauro Excelentíssimo” que se começou a descolar quando fiz agora uma breve releitura, antes de começar a escrever este Olho de Gato. Este volume, agora meio arruinado, tem ilustrações muito curiosas de João Abel Manta.
     Conta José Cardoso Pires que a ideia do livro lhe surgiu quando se pôs “(...) a pensar no fantasma do Tyrannosaurus com os seus dez metros de comprimento e a sua dentadura assanhada lá nas nuvens...”
     “Dinossauro Excelentíssimo”, escrito em forma de fábula, é um gozo pegado ao salazarismo.
     Salazar, o sáurio da história, foi muito mau para o país. Podia, ao menos, ter caído da cadeira mais cedo. Nem isso fez, infelizmente.
     José Cardoso Pires publicou o “Dinossauro Excelentíssimo” em 1972, aos 47 anos. Tinha sofrido o longo inverno de Salazar e vivia na chamada primavera marcelista, então já posta no congelador. Desesperou décadas por um 25 de Abril que haveria de chegar dois anos mais tarde.
     Passar uma vida debaixo da “apagada e vil tristeza” duma ditadura é uma raiva e uma neura.
     “Dinossauro Excelentíssimo” não é o melhor livro de José Cardoso Pires; mas é uma desbunda, escrita num português escorreito e chão, que nos lava a alma, e nos mostra que um espírito livre nunca se deixa dominar por ninguém.
     Nem num regime de “dentadura assanhada” como o que tivemos até 1974.

* Parte de um texto publicado no Jornal do Centro em 29/4/2005
** Imagens daqui

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