De sujeito a objecto *

      Agora há câmaras em todo o lado.
     Os telemóveis modernos tornaram o acto de “apanhar imagens” uma coisa de todas as horas e de todas as circunstâncias.
     Mas, por mais fotografias que se façam, este carregar no botão, este guardar de luz, será sempre um instante especial. Esse instante é marcado pelo barulho da abertura do obturador (peça da “anatomia” das máquinas fotográficas mas também das armas de fogo). É um “schlaaaaap!” que nos diz “já está!”.
     O meu telemóvel, quando tiro uma fotografia, faz um som alto que parece um disparo.**
Foto de José Alfredo
     Não era necessário que ele fizesse barulho algum, nestes tempos digitais, mas o fabricante quis que soasse como um tiro esse momento especial em que se capta uma imagem.
     Roland Barthes definiu assim, no seu livro “Câmara Clara”, essa fracção de segundo: “Ao nível imaginário, a Fotografia (...) representa esse momento deveras subtil em que, a bem dizer, não sou nem um sujeito nem um objecto, mas essencialmente um sujeito que sente que se transforma em objecto: vivo então uma micro-experiência da morte (...) torno-me verdadeiramente espectro.”
     Deste modo, eu — objecto fotografado — sou desvitalizado, sou guardado em ficheiro, sou colocado numa memória, desapossado do meu tempo, isto é, da minha verdade. 

* Parte de um texto publicado no Jornal do Centro em 13 de Maio de 2005 
** O que tenho agora já não faz  “schlaaaaap!” nenhum.

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