O túnel
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Ia na A24.
Levava o telemóvel ligado, queria tanto que tocasse o telemóvel. Ele, no Natal, era sempre um redemoinho de saudades dos pais e do filhos. É que ele era filho de emigrantes e pai de emigrantes. Os pais obrigados a ir “de salto” para a França no tempo de Salazar e, agora, os filhos, ambos doutorados, ele a trabalhar em Berna, ela em Londres, emigrantes, como no tempo de Salazar.
Guiava como fazia todos os dias a caminho de Lamego, nos seus “que fazeres”. A Europa estava com os aeroportos fechados, os aeroportos que lhe haviam de trazer os pais e os filhos para a consoada mais para o fim da semana. Maldita neve! Maldito arrefecimento global!
Azedo, levantou o pé do acelerador.
À frente o túnel duplo de Castro Daire escavado no monte, duas linhas paralelas para passarem os carros e, a meio, uma galeria toupeirada para ligar o túnel da esquerda ao da direita.
Todas as vezes ele fazia o mesmo jogo: a meio, olhava para o lado de lá a ver se ia a passar um carro naquele instante, no outro sentido. Nunca tal lhe aconteceu. Nunca.
Mais uma vez, pôs o carro a oitenta a hora, olhou e nada. Do lado de lá, em direcção a Viseu, népias. O costume.
Seguiu aos seus “que fazeres”.
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Ao fim do dia, regressou a casa.
Dentro do carro, o perfume de uma bôla de Lamego ainda quente e o telemóvel ligado. À espera. Abrandou para entrar devagar no túnel. O costume. Já fazia tudo aquilo em piloto automático. Olhou para o lado de lá, como de costume.
Daquela vez, daquela singular vez, finalmente — bingo!, num relance, viu um carro amarelo do lado de lá, a andar para o norte. Finalmente!
A neura dele derreteu-se. O telemóvel tocou. Não atendeu. Não era preciso.
No final da semana ele sabia de certeza certa. Ia consoar com os pais e com os filhos.
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