Serendipidade*

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1. Quando estava na banheira, Arquimedes sentiu uma força a puxar a sua perna para cima e, já se sabe, fez-se luz dentro da sua cabeça. 

Quando estava na sorna debaixo de uma macieira, Isaac Newton levou com uma maçã em cima do cocuruto e, já se sabe, fez-se luz dentro da sua cabeça.

Quando regressou de férias, Alexander Fleming deu conta que um bolor chamado 'Penicillium notatum' exterminara os estafilococos que tinha deixado numa bandeja e, já se sabe, fez-se luz dentro da sua cabeça.

Quando se esqueceram de milho dentro do forno durante toda uma santa noite, os irmãos Kellog foram de manhãzinha abrir-lhe a porta e, já se sabe, fez-se luz nas suas cabeças e corn-flakes no seu pequeno-almoço.

Em todas estas histórias, e mais outras tantas que facilmente se acham na Wikipédia, há algo em comum: olhos bem abertos, eurekas, descobertas, avanço de saber.

Estes “acasos felizes” têm um nome — Serendipidade, do inglês 'Serendipity'. É um termo cunhado pelo escritor britânico Horace Walpole, a partir do conto persa infantil 'Os três príncipes de Serendip', príncipes do Ceilão que eram muito espertos e estavam sempre a fazer descobertas inesperadas. 


2. Depois do anúncio, em Agosto, da vacina Sputnik V russa, nas últimas semanas temos assistido a uma potente operação de relações públicas de mais três fabricantes de vacinas anti-covid. 

Primeiro foram a Pfizer e a Moderna que, ao anunciarem eficácias próximas dos 95%, viram, imediatamente, as suas acções disparar na bolsa. 

A seguir foi a vez da AstraZeneca que, como não pode apresentar valores de eficácia iguais aos das suas concorrentes, preferiu acentuar as suas vantagens comparativas — preço baixo e distribuição fácil porque pode ser conservada em frigoríficos normais. 

Para além disso, passou para os media uma história de serendipidade: que aos voluntários a quem deram duas doses a eficácia tinha sido de 62%, mas num sub-grupo deles, a quem deram por engano primeiro meia-dose e depois uma dose inteira, a eficácia foi de 90%. 

Ora, infelizmente, tudo indica que estes dados são pouco consistentes e vão resistir com dificuldade ao escrutínio científico entre pares.

As acções da AstraZeneca já deram um forte trambolhão. Pior, muito pior: os covidiotas e os antivacinas vão aproveitar a desconfiança naquela vacina para porem as pessoas a desconfiar também de todas as outras. 

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