Persuasão*

* Hoje no Jornal do Centro


O Caramulo tem uma magia especial nesta altura do ano em que o crescer dos dias anuncia a Primavera. Se puder visitar esta serra, recomendo-lhe “A Arte da Persuasão”, patente no Museu do Caramulo, até 29 de Março.

Esta exposição temporária tem mais de duzentos panfletos, filmes e, acima de tudo, cartazes, feitos durante a segunda guerra mundial. Percorrer aquelas salas é um fascínio:


— porque aqueles cartazes fazem-nos lembrar que “slogan” é uma palavra gaélica que quer dizer “grito de guerra”; e, entre 1939 e 1945, aqueles slogans não precisavam de inventar um inimigo como agora faz a propaganda política, naqueles anos de chumbo o inimigo era bem real e letal e, naquela comunicação, sempre feio, simiesco, abjecto;

— porque aqueles cartazes lembram-nos que, quando está em causa a sobrevivência, os sapiens não se podem dar ao luxo de serem esquisitos com as companhias; perante o mal nazi, as bandeiras americanas, britânicas e soviéticas apontavam os canhões lado-a-lado; poucos anos depois, aquela guerra quente viraria fria, amigos passariam a inimigos e vice-versa;


— porque aqueles cartazes explicam à malta que agora tem sempre na boca o modismo da “economia circular” que já então se reciclavam gorduras domésticas para fazer explosivos, e que havia “jardins da vitória”, isto é, hortas urbanas para ajudar a economia de guerra;

— porque aqueles cartazes, de uma técnica inigualável, falavam para uma comunidade, interpelavam cidadãos prontos a sacrificar-se por um “nós” em perigo; isto é, dirigiam-se a um público que já não há.

Como explica Gilles Lipovetsky, o homem contemporâneo, a que ele chama hipermoderno, é um hedonista com problemas de consciência. Embora viva angustiado com a doença, a velhice, a ecologia, não deixa de viver o momento. O homem hipermoderno carpedia na sua cápsula individualista enquanto tira selfies.

Aquela “arte da persuasão” pendurada nas paredes do Museu do Caramulo é genial e imperdível. Mas hoje persuadia pouco.

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