A minha gabardina

Fotografia de Omid Armin


Tal como outros têm por secretária a noite
eu tenho a minha gabardina
de botões desusados e conversas redondas
que vai com os dias de chumbo
e traz filhos ilegítimos como pardais.

Eu e a minha gabardina
formamos uma só e vejam lá que
nos dias de chuva eu molho-me
ela fica enxuta.

A minha gabardina é o meu cão
fiel quando se rasga e mostra um segredo
mapa de meses outros em que nos escondíamos
das luzes excessivamente denunciadoras
na rua patriarcal.

A minha gabardina é o meu gato
sobranceira aos epítetos de arcaica e
inactual.

«A culpa foi da gabardina»
acusou o amor quando abandonou a casa
doente da minha pele impermeável
às imagens negociadas do desejo.

Hei-de morrer com a minha gabardina
Expô-la como o fato de feltro de Joseph Beuys
Ana Paula Inácio



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