Ao homem que está no fim da fila

Fotografia de Crawford Jolly



Ao homem que está no fim da fila,
timidamente apoiado numa bengala,
sem máscara, sem luvas,
de porta-moedas na mão,

Ao homem, ao velho, que espera pela sua vez
à porta do mini-preço,
a uma distância de segurança,
um esticar de um braço, mais coisa menos coisa,

enquanto todos os outros, caras sem rosto,
cabisbaixos, de luvas, avançam
sem olhar para trás,
sem ceder a vez,

A esse homem que, finalmente,
decide fazer-se ouvir,
romper o silêncio sepulcral
daquele cortejo fúnebre
dos nossos hábitos,
e dizer:
"ora então, bom dia a todos"

A esse homem, que fez estremecer
a dúzia de pessoas que, como se ali tivessem estado toda vida,
mais não souberam que balbuciar o que mal se ouviu,
os pés enraízados no chão, as costas voltadas,
sem lampejo de reconhecimento,

A esse homem, pelo seu resgate do essencial,
pela sua voz límpida e certeira,
e por tê-lo feito com um sorriso,
muito direito, apoiado na sua bengala,

A esse homem, "bom dia",
"um bom dia também para si, senhor",
que foi o que eu devia ter dito,
enquanto esperava, de máscara e luvas,
atenta à distância de segurança,
na fila ao lado, à porta da farmácia.
Teresa Coutinho



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