A ordem errática — [POLITÉCNICO DE VISEU 40 ANOS #20]

Fotografia Olho de Gato




Paulo Neto
[Aveiro, 1955]
Vive em Viseu


há um dia que erige o silêncio em sinal e o comum em partilha o gesto final
há um dia em que a alvorada pranteia a insónia da escrita com um trovão
há um dia em que o sino toca e ninguém vem e o toque se atordoa e cai
há um dia em que o sol te ira e só na noite só ofendes a paz e ressumbras raivas
há um dia em que o olhar é opaco e o infinito invisível porque se aproximou de ti
há um dia em que na mão lívida de dar não transparece no espasmo o perdão
há um dia em que a mudez te invade e só no gesto ecoa a agitação do ar suplicante
há um dia que fica marcado pela lua perplexa e mais pálida que no último quarto
há um dia sem horas horizontal e açaimado na penumbra de todas as sombras
há um dia sem afagos nem a quem afagar perdido o gesto o jeito o mimo
há um dia em que estremeces a dor nos poros e a agonia é um enjoo longo que mói
há um dia em que a ave azul te fura o olhar com o bico de ferro mordaz e céptico
há um dia o primeiro dia dos dias em que voas a cremar-te numa estrela o dia


Poetas e pintores e Viseu
Edição Politécnico de Viseu, 2001




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