O Leitor de Dicionários*

* Hoje no Jornal do Centro, nas bancas e aqui

Alberto da Silva Gomes gostava tanto de palavras que inventava jogos com elas. Quando andava no liceu, pegava na quinta edição do Dicionário de Língua Portuguesa, da Porto Editora, abria-o ao calhas numa das suas 1556 páginas, e procurava nela a palavra mais comprida.

O rapaz, durante uns tempos, não conseguiu achar nenhuma com mais de vinte e uma letras. Quando encontrou “otorrinolaringologista”, com as suas portentosas vinte e duas letras, teve uma epifania.

Entendamo-nos, eram outros tempos, sem net, sem o sr. Google, sem “inteligência” artificial, sem formiguinhas amáveis a fazerem verbetes na Wikipédia sobre todos os assuntos, incluindo sobre palavras quilométricas. Agora, num segundo, acha-se facilmente a maior palavra em português — “pneumoultramicroscopicossilicovulcanoconiótico” — que se refere a uma pessoa com uma doença nos pulmões por ter respirado cinzas vulcânicas.

Esta palavra de quarenta e seis letras, que figura no monumental Dicionário Houaíss da Língua Portuguesa, desde 2001, é uma palavra técnica, “artificial”. A nossa palavra mais comprida que se pode considerar “natural” — quero eu dizer, de que se apanha logo o sentido e que se consegue escrever à primeira sem precisar de fazer “copy-paste” — tem vinte e nove letras: “anticonstitucionalissimamente”.

Além de compridona, é chata pelo que significa. “Anticonstitucionalissimamente” é o modo como Donald Trump, com elevada probabilidade, vai tentar actuar a partir da sua tomada de posse, em 20 de Janeiro. A propósito, como é sabido, a criatura cor-de-laranja que acaba de ser eleita presidente dos Estados Unidos tem um vocabulário muito limitado, intimida-se com palavras compridas, isto é, sofre de hipopotomonstrosesquipedaliofobia (trinta e três letras).

Já o Alberto não tinha essa fobia. Talvez seja a altura de o apresentar: Alberto da Silva Gomes é o personagem principal de O Leitor de Dicionários, o último romance de Acácio Pinto, que acabo de ler de um fôlego e que recomendo.

Recomendo não por, na sua página 177, falar de “uma crónica assinada pelo mais antigo colaborador do semanário O Centro”, que evidentemente não se sabe quem é, mas porque O Leitor de Dicionários é um bom livro.


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