Take me home
Não sei o que há entre Dvisnsk
e Nova Iorque,
e mesmo que soubesse
proporia que tudo fosse silenciado,
que nada se dissesse,
e só o avassalador silêncio
pudesse dizer quem fui e o que fiz.
As palavras enredam-nos em armadilhas
mortais
e nada há mais mortal
que a vida,
por isso,
as minhas telas
são o silêncio que são,
onde as cores se demoram
para que a exaltação do silêncio
permaneça e se guarde
e só quem as contemple reconheça
o que lá está:
a dor,
o sofrimento,
a vida em estado puro.
Se alguma coisa tenho para dizer,
direi, apenas, que há emoções
desconhecidas no que faço,
e que é pela claridade que confronto
o público
com as telas
que, com elas,
deve gritar e chorar,
porque foi exactamente aos gritos e a chorar
que as pintei,
rangendo os dentes
e insuflando-lhes vida.
Vejam:
alio este vermelho a este azul,
as cores conjugam-se,
mesmo repelindo-se,
e, olhando bem,
não é o só o vermelho e o azul o que se vê,
aqui, em frente à tela,
mas tudo o que nos toca o coração,
e se encontra latente na memória
e, pelo confronto,
chega.
O azul, por exemplo:
sente-se que oscila,
sente-se que nos leva para trás,
sente-se que nos arrasta pela nuca
e nos coloca
perante obsessões
que nos envenenam.
E, levando-nos para trás,
os nossos olhos fecham-se,
e entramos num quarto muito escuro,
e, no escuro, reconhecemos
o azul do brilho de uma lâmina,
e os nossos dedos,
azuis,
tocam a lâmina,
e a lâmina,
azul néon e mate,
impele-nos a confrontar a morte,
até que não podemos mais
e, a correr, saímos.
E o vermelho
– é, tão-só, vermelho,
ou atrai-nos para um poço?
O poço é escarlate,
e escarlate sendo, o que se vê?
Uma mulher deitada numa cama,
com um roupão vermelho,
e as unhas pintadas de vermelho,
e a boca vermelha,
e a cabeça caída sobre uma almofada,
também vermelha,
de um vermelho vivo,
tão brilhante,
que sabemos
que há um crime oculto no vermelho
que nós observámos na infância.
Vejamos o conjunto:
o azul está por baixo e, por cima,
o vermelho primário a transformar-se
em lábios,
corais,
crepúsculos,
e um sortilégio avassalador
que nos leva a um monte com um túnel.
Atravessando o túnel
vemos as cidades,
e, por cima das cidades,
o demónio,
e o demónio blasfema,
e lembra-nos a indiferença
com que os nossos pais nos abandonaram,
e é medonha a noite,
e é medonha a sensação de termos sido
abandonados.
No fim, há só silêncio.
Mas o milagre já aconteceu,
já cada um de nós foi confrontado
com o que não queria ver
pela selvajaria da serenidade
e pode, depois disso,
voltar para casa.
De novo vem a nós
o silêncio:
estamos em casa
e as cores, de tão amenas,
são já frenéticas,
e os nossos dedos rasgam-nos
a carne,
e supliciamos o corpo,
e percebemos que há pouco sentido
na vida que levamos.
Tem cor a nossa vida?
E a resposta chega-nos,
certeira e inequívoca,
enquanto nos lembramos
dos gritos e do choro
que, em frente ao quadro,
produzimos,
e da força que há na nossa natureza,
e dos milagres possíveis
que em cada coisa há.
Coube-nos viver num tempo de assassinos,
mas é a claridade que almejamos,
não a que veio ao quadro convocar-nos,
mas a que, pelo poder da pintura,
se instala em nós,
a modular a noite
e a apaziguar-nos.
É essa claridade que procuro,
– e o silêncio.
O silêncio das cores e o seu apelo
irrevogável,
de que nada há a temer,
mesmo que atemorize.
A vida é isso mesmo:
o medo à nossa frente,
imóvel como a esfinge,
e nós sempre a enfrentá-lo,
transparentes,
aflitos,
condenados,
mas prontos para ver
as cores do infinito.
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