Eufemismos e pagamento de contas*

* Hoje no Jornal do Centro, nas bancas e aqui

1. No último Olho de Gato, referi aqui a saga da renovação da Linha da Beira Alta, onde já foram derretidos 52 meses e nicles. Onde nos disseram que íamos ter tudo pronto no início do ano e nicles. Onde nos atiraram com uma segunda data para 12 deste mês e nicles. 

Imagem daqui

Resumi aqui o caso na passada sexta-feira, ao princípio da manhã: “ninguém adianta uma nova data para reabertura da linha. A incompetência dos boys da Infraestruturas de Portugal consegue superar a dos boys dos hospitais.”

Nem de propósito, ao fim da tarde desse mesmo dia, a edição online do Jornal do Centro trazia novidades: “[a] Linha da Beira Alta (...) deverá reabrir até ao final do primeiro semestre de 2024, na sequência de uma 'continuidade dos constrangimentos', avançou esta sexta-feira (...) a Infraestruturas de Portugal.”

Dizer “continuidade dos constrangimentos” é bonito. Em obras nem por isso, mas em eufemismos os boys da IP são bons. 


2. Sempre que podem, os supermercados põem as pessoas a trabalhar para eles: a pesar a fruta, a recolher o pão, a arrumar o carrinho, … Até o acto de pagar a conta está a mudar: há cada vez menos caixas com empregados, há cada vez mais daquelas em que é o cliente a fazer tudo. 

Só que, como diz o poeta, “há sempre alguém que resiste, há sempre alguém que diz não”. No norte da Inglaterra, a Booths, uma cadeia comercial com 3000 empregados, decidiu fazer marcha-atrás neste processo: acabou com as caixas self-service em 26 das suas 28 lojas, porque, alega, “ter os seus funcionários a interagir com os clientes” é “a coisa certa a fazer”. A gigante Walmart anunciou ir fazer o mesmo nalgumas das suas lojas. 

Será uma inversão de tendência? Ainda não se sabe. Contudo, o New York Times refere um estudo feito ao retalho alimentar em vários países, em 2016, com evidência de, nas lojas onde foram introduzidas caixas de auto-pagamento, as perdas terem subido para 4%, mais do dobro da média do sector. 

É que, eufemiza aquela investigação, “os compradores tendem a agir de maneira que normalmente não fariam”. E, num tecnocrês mais rude, vai ao ponto: naquelas caixas “o roubo é menos detectável.”

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