Visitas indesejadas

* No Jornal do Centro aqui

1. Como esta crónica é para ser publicada no período do carnaval, começo com uma brincadeirinha em forma de guião.

Toca a campainha da porta, hall de entrada:
uma família recebe a visita do chefe logo após o jantar e, apesar de ele estar a levar a empresa à falência, recebe-o com toda a simpatia...

— “olá, olá, chefe!”, “que surpresa!”, “como está?”

Corta!, sala de estar, mesa com bebidas e alguns snacks, televisão ligada sem som:
— “sente-se aqui!”, “que toma?”, “um café?”, “um Porto?”, “temos aqui umas trufas muito boas!”, “conte coisas!”, ...

dez horas, e o chefe: “blá-blá-blá...”, ...

onze horas, e o chefe: “blá-blá-blá...”, ...

meia-noite, o dono da casa: “a-conversa-está-óptima,-mas...”, o chefe: “blá-blá-blá...”, ...

uma da manhã, a dona da casa: “bom,-amanhã-temos-que-trabalhar...” , o chefe: “blá-blá-blá...”, ...

duas da manhã, o chefe: “blá-blá-blá...”, os donos da casa levantam-se e bradam: “desculpe, dr. Rui Rio, já chega de “blá-blá-blá!”


2. Na quinta-feira, o sr. Putin fez uma visita sem convite à Ucrânia. Invadiu aquele país por terra, mar e ar. Está a cair em cima de um país pacífico e democrático o fogo assassino da guerra, disparado por um autocrata com delírios imperiais que quer impor a lei do mais forte — se o vai conseguir ainda estará para se ver.

Aziz Asmar e Anis Hamdoun pintam um mural de solidariedade com a Ucrânia 
na cidade massacrada de Binnish, no noroeste da Síria
Fotografia de Omar Haj Kadour 

Paira sobre a Europa a incerteza e a angústia. O que acaba de acontecer na Ucrânia vai ter impactos duradouros no velho continente e no mundo. Ninguém pode, neste momento, prever as consequências deste abalo tectónico.

Para já, no imediato, no que pudermos, solidariedade total com os ucranianos.

No médio e longo prazo há que:

infernizar a vida dos oligarcas russos, eles que levem para outro lado as suas mafiosices e o dinheiro que roubam ao povo russo;

acelerar a transição para as energias renováveis, embora, por causa desta emergência, possa ser necessário algum regresso transitório ao carvão;

fazer mais gasodutos a atravessar o Mediterrâneo e mais terminais de gás natural liquefeito, designadamente em Sines;

perceber que a UE já não pode nem deve dormir descansada à sombra do guarda-chuva norte-americano, os EUA estão em perda, deixaram de poder ser o polícia do mundo e querem virar-se para a Ásia;

o soft-power europeu tem força, é um farol de decência neste desvairado planeta, mas já não chega, precisamos de ter também hard-power, necessitamos de aumentar, e muito, o músculo militar;

essa decisão política, vital para o nosso futuro, que é tudo menos barata, precisa de ser consensualizada entre os democratas-cristãos, os conservadores, os liberais, os sociais-democratas e os verdes;

os comunistas e a ultradireita, ambos farinha do mesmo saco putinista, hão-de querer sabotar esse esforço, mas, já se sabe, a UE existe apesar deles e para nos livrar do iliberalismo deles.

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