Lume

Fotografia de Douglas Kirkland

 


Comecei a fumar para te pedir lume.

Para arranjar um motivo. Para.

Tens lume? Perguntei-te.

Sim. Disseste. Levaste a mão ao bolso.

Engatilhaste o zippo. Todo prateado.

Abeiraste-te e fizeste concha com a mão direita.

Eras canhoto, como o coração.

Agora. Disseste.

E levei o cigarro até à chama.

Já está. E sorriste.

Importas-te que te acompanhe? Perguntaste.

Não, claro que não. Claro que não.

Está frio. Disseste. E esfregaste as mãos.

O cigarro sempre aquece.

Sim. Tossi.

Estás bem? Perguntaste.

Estou muito bem.

Óptimo. Disseste. E sorriste.

Aquele café além é acolhedor. Não tomas nada?

Um chá fazia bem à tosse. Perguntaste. E disseste.

Sim, um chá calhava bem. Estava mesmo a apetecer-me.

Parece que adivinhei. Disseste. E aí sorri eu.

Tomámos chá e de imediato fizemos planos de vida

Que correram mal, imediatamente mal.


Comecei a fumar para te pedir lume.

Para passar o frio.

Descobri que não viria a morrer

Nem de cancro pulmonar, nem de amor,

mas da própria morte, mal o lume se apagou

e o café fechou as portas. Para sempre.

Ana Salomé


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