Um céu e nada mais

 

Fotografia de Carlota Guerrero


Um céu e nada mais - que só um temos,

como neste sistema: só um sol.

Mas luzes a fingir, dependuradas

em abóbada azul - como de tecto.

E o seu número tal, que deslumbrados

eram os teus olhos, se tas mostrasse,

amor, tão de ribalta azul, como de

circo, e dança então comigo no

trapézio, poema em alto risco,

e um levíssimo toque de mistério.

Pega nas lantejoulas a fingir

de sóis mal descobertos e lança

agora a âncora maior sobre o meu

coração. Que não te assuste o som

desse trovão que ainda agora ouviste,

era de deus a sua voz, ou mito,

era de um anjo por demais caído.

Mas, de verdade: natural fenómeno

a invadir-te as veias e o cérebro,

tão frágil como álcool, tão de

potente e liso como álcool

implodindo do céu e das estrelas,

imensas a fingir e penduradas

sobre abóbada azul. Se te mostrasse,

amor, a cor do pesadelo que por

aqui passou agora mesmo, um céu

e nada mais - que nada temos,

que não seja esta angústia de

mortais (e a maldição da rima,

já agora, a invadir poema em alto

risco), e a dança no trapézio

proibido, sem rede, deus, ou lei,

nem música de dança, nem sequer

inocência de criança, amor,

nem inocência. Um céu e nada mais.

Ana Luísa Amaral


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