Viralizar por aí*

* No Jornal do Centro aqui


1. Há muito, muito tempo, no tempo em que era tudo analógico, os Ban, uma banda do Porto, lançaram uma canção que foi um êxito. Chamava-se ela “Irreal Social”, era muito dançável, e dizia que “popular” era  “surrealizar por aí”. 

Foi mesmo há muito, muito tempo, no tempo em que se ouvia música em cassetes de áudio e se via filmes em cassetes que tinham de ser devolvidas devidamente rebobinadas no videoclube. No tempo em que digital tinha a ver com dedos e não com uns e zeros. 

Repare-se: o surrealismo ainda era assunto, até de cantigas de discoteca. Ainda era popular. Ainda estava in. Agora não. Agora o surrealismo está out. Perdeu brilho e clientela. Breton e os seus manifestos, Freud e o seu id, Dali e o seu bigode, Cesariny e a sua dentadura, tudo cheio de teias de aranha.

Se fosse agora, Ana Deus e João Loureiro, os vocalistas dos Ban, cantavam que “popular” é “viralizar por aí”. Lá isso é. Especialmente no Twitter e no Facebook, as duas plataformas de “irreal social” em que passamos mais horas.  

Estamos sempre agarrados aos smartphones: no semáforo vermelho, na fila da caixa do supermercado, até no passeio higiénico do cão, a trela na mão esquerda, o polegar da mão direita a scrollar no telelé. 

Numa pesquisa recente sobre o uso dos telemóveis em nove países de quatro continentes, uns estudiosos da University College London chegaram à conclusão que somos uns “caracóis humanos que carregamos as nossas casas no bolso”. O estudo foi citado em todos os media mundiais. Lá está: viralizou.


2. Atenção. Esta coisa do “viralizar por aí” tem os seus quês. Nunca se sabe bem quando é que o formigueiro das redes sociais pega num assunto e o espalha como fogo num dia seco num prado seco em dia de alerta vermelho da protecção civil. 

Por exemplo, João Loureiro já não viraliza grande coisa. Nem quando passou por aquelas vicissitudes com um voo em jato privado ao Brasil. 

A virose, nestas autárquicas, também anda fraca. Os “tesourinhos” são poucos. Tentam fazer-nos cócegas com uns nomes mais patuscos de candidatos ou de terras, mas é quase tudo tristonho.  

Esta semana houve alguma chispa com os outdoors de “Poço, Alexandre Poço”, o candidato galã do PSD em Oeiras. 

As meias e a pose dele alegraram um pouco os olhares das eleitoras. Se der para subtrair votos ao dinossauro Isaltino não faz mal nenhum.

O que viralizou por aí muito, ainda com mais velocidade do que a variante Delta do SARS-CoV-2, foi um filme do director dos recursos humanos da TAP, na Plaza Mayor de Madrid, que deixou indignado o pavio curto do ministro Pedro Nuno Santos. Tiro e queda. Melhor dito: filme e queda. Esta semana, o homem lá teve de deslargar o emprego. 

Também viralizou por aí muito uma filmagem feita à má fila a Paulo Rangel, que o mostrava aos baldões numa bruxuleante rua de Bruxelas. Por “bruxedo”, aquele vídeo foi parar ao FB a poucos meses das próximas eleições internas do PSD. 

Pouco tempo depois da divulgação desse vídeo, saiu uma primeira página miserável do semanário Tal & Qual com assuntos da intimidade do eurodeputado laranja. Felizmente, essa manchete não viralizou.

Estamos em Agosto. Mês de descanso, de férias. Evitemos coisas pesadas. Deixemos para um futuro Olho de Gato a reflexão sobre este vírus reles que invade, cada vez mais, as vidas privadas das figuras públicas. E até das menos públicas.

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