Bengaladas metafóricas*

* Hoje no Jornal do Centro aqui

Vídeo e podcast aqui


1. Em Abril de 1851, um jornalista publicou no jornal A Pátria um texto que amachucava três portuenses, entre eles Camilo Castelo Branco, de quem dizia ser “amante de certa cómica de Lisboa, muito orgulhosa e muito mal-educada...” Aquele “cómica” era uma forma depreciativa de dizer actriz.

No dia seguinte, os três ofendidos dirigiram-se ao Real Teatro de S. João, onde o plumitivo era caído todas as noites, e, cada um na sua vez, com respeito escrupuloso pela ordem de chegada, acertaram contas com o linguarudo. Camilo, com o seu bengalão, mostrou um especial carinho pelo lombo do homem.

Estas são as únicas bengaladas não metafóricas deste Olho de Gato.


Daqui

2. O “Inauguration Day”, em Washington, é em 20 de Janeiro. Em Lisboa a tomada de posse presidencial é a 9 de Março, de cinco em cinco anos. Nos anos das eleições — terminados em 6 — as tomadas de posse são pacíficas. Nos anos das reeleições — terminados em 1 como este ano — são controversas. 

É que, como se sabe, os presidentes da república nos primeiros mandatos fazem de bengala dos primeiros-ministros e, depois de reeleitos, passam a dar-lhes bengaladas.  

Em 9 de Março de 2006, o presidente eleito Cavaco foi um cordeirinho. Em 9 de Março de 2011, depois de reeleito, Cavaco Silva descarregou a bílis toda em cima de José Sócrates e acabou com ele. Infelizmente, o país já estava em pré-bancarrota e, menos de um mês depois, a 6 de Abril, pedia assistência financeira à UE.

Em 9 de Março de 2016, o presidente eleito Marcelo foi um cordeirinho. Agora, depois de cinco suaves anos de coabitação com António Costa, o reeleito Marcelo Rebelo de Sousa vai dar menos colinho ao PM e, depois de resolvida a pandemia, vão começar as bengaladas.

No seu discurso da noite eleitoral, Marcelo disse que ia querer mais e melhor “em exigência, em justiça social e, de modo mais urgente, em gestão da pandemia”. Ora, se Marcelo puser muita “exigência” ao fragilizado edifício governamental, este corre o risco de colapsar já na discussão do próximo orçamento.

O PR reeleito disse ainda que ia tentar “persuadir quem pode elaborar leis” a “ultrapassar objecções ao voto postal ou por correspondência, objecções essas que tanto penalizaram os votantes, em especial os nossos compatriotas espalhados pelo mundo”. 

É outro bico-de-obra. A maioria parlamentar de esquerda nunca quis nem quer que os emigrantes votem, muito menos nas presidenciais. E tem mostrado eficácia nisso. Muito mais eficácia até do que a dos republicanos, nos EUA, que, apesar de todos os truques sujos que usam para tentar impedir o voto negro, acabam de ser derrotados por ele.

Comentários

Mensagens populares