Inclinações*

* Publicado no Jornal do Centro há exactamente dez anos, em 1 de Outubro de 2010  



1. Nos anos de 1970, comecei a trabalhar em escolas rurais, escolas que eram um símbolo da presença do estado e, por isso, eram construídas em lugares sobrelevados, em lugares de destaque nas aldeias. 

Muitas não tinham os recreios terraplanados o que punha problemas às futeboladas dos alunos. O “campo” era uma ladeira que escorria da “baliza” de cima para a “baliza” de baixo. Era necessário equilibrar as coisas: pôr os melhores jogadores a chutar para cima e os mais fracos no “para-baixo-todos-os-santos-ajudam”.

Lembrei-me daqueles jogos valentes de há quase 40 anos ao ler “Maus Samaritanos”, de Ha-Joon Chang, um livro sobre a globalização, livro que era bom que alguma editora portuguesa lançasse no nosso mercado.

Ha-Joon Chang defende que os países em desenvolvimento devem ter prudência na abertura dos seus mercados. As suas manufacturas não estão preparadas para competir e a produção dos países pobres, ainda incipiente, pode ser estilhaçada pela concorrência externa. Ele usa mesmo a imagem do futebol em campo inclinado.

Quando as equipas não são iguais, um campo inclinado pode introduzir alguma justiça no jogo. Isto claro se não estiver, como é costume, a equipa mais forte a jogar de cima para baixo.

2. Os descontos anunciados para as SCUT são injustos e tribalizam o país: tanto tratam bem um Ferrari de um concelho “certo” como destratam um Fiat Uno de um concelho “errado”.

Diga-se ainda mais: os “chispes” das matrículas da empresa do ex-assessor do secretário de estado Paulo Campos agora já não são obrigatórios pelo que, sem estes putativos descontos, ninguém os comprava.

Ora, com tanto “ai-Jesus-que-vem-aí-a-bancarrota!”, estes descontos aos “indígenas”, esta “discriminação positiva” da treta dura um ano. Se tanto.

Vamos deixar que nos tratem como índios?

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