Jágora*
* Hoje no Jornal do Centro
Podcast
1. Em Maio de 2003, num telefonema para António Costa, Ferro Rodrigues disse a seguinte frase que acabou escarrapachada numa manchete do Expresso: «Estou-me a cagar para o segredo de justiça!»
Em Agosto de 2020, depois de acabada uma entrevista àquele semanário, António Costa, em off, chamou "cobardes" a uns médicos por causa do Lar de Reguengos e aquele desabafo apanhado por um microfone que devia estar desligado acabou nas redes sociais.
Nos dois casos, comunicação privada que devia ter ficado privada. O que o Expresso fez há dezassete anos é muito condenável. O que se passou agora foi um lapso técnico. Acontece.
Em 2003, era raro haver divulgação de conversas pessoais. Agora isso é comum. E sempre que caímos no "jágora-como-está-no-YouTube-deixa-me-lá-ir-cuscar" espetamos "mais um prego no caixão da privacidade", para usar uma expressão de Nathalie Maréchal.
Na sua vida privada, os políticos devem poder conversar à vontade e em vernáculo, devem poder ter nódoas na gravata ou tirar macacos no nariz quando param num semáforo. Devem poder ser humanos.
"A vida pública é insustentável sem vida privada. É impossível governar, mesmo para o melhor dos democratas, sem a possibilidade de ter conversas discretas. Os únicos políticos invulneráveis à exposição são aqueles que controlam os segredos dos outros, ou aqueles cujo comportamento explícito é tão vergonhoso que são invulneráveis à chantagem. (...) Ao aceitarem que as vidas privadas das figuras públicas também são política, os cidadãos cooperam na destruição da esfera pública", lembra Timothy Snyder, no seu livro "Rússia, Europa, América - O Caminho Para o Fim da Liberdade".
2. Como toda a gente sabe, o "jágora" é um perigo durante umas obras. Jágora mármore na entrada. Jágora piscina no quintal. Jágora vidros quádruplos nas janelas. Jágora isto. Jágora aquilo. E o orçamento trepa, trepa, trepa.
O Viseu Arena está a seguir esta lógica. Em 2016, António Almeida Henriques disse que ele ia custar 2,5 milhões de euros; em 2017, jágora 3 milhões; em 2019, jágora 5,1 milhões; em 2020, jágora 6,4 milhões.
Com tanto jagorismo, com tanta incompetência nas candidaturas a fundos comunitários, com tanto borlismo cultural que fez o público perder o hábito de comprar bilhete, com tanta incerteza sobre os grandes eventos no pós-pandemia, há muitas razões para temer a viabilidade e a sustentabilidade futura do Viseu Arena.
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1. Em Maio de 2003, num telefonema para António Costa, Ferro Rodrigues disse a seguinte frase que acabou escarrapachada numa manchete do Expresso: «Estou-me a cagar para o segredo de justiça!»
Em Agosto de 2020, depois de acabada uma entrevista àquele semanário, António Costa, em off, chamou "cobardes" a uns médicos por causa do Lar de Reguengos e aquele desabafo apanhado por um microfone que devia estar desligado acabou nas redes sociais.
Nos dois casos, comunicação privada que devia ter ficado privada. O que o Expresso fez há dezassete anos é muito condenável. O que se passou agora foi um lapso técnico. Acontece.
Em 2003, era raro haver divulgação de conversas pessoais. Agora isso é comum. E sempre que caímos no "jágora-como-está-no-YouTube-deixa-me-lá-ir-cuscar" espetamos "mais um prego no caixão da privacidade", para usar uma expressão de Nathalie Maréchal.
Na sua vida privada, os políticos devem poder conversar à vontade e em vernáculo, devem poder ter nódoas na gravata ou tirar macacos no nariz quando param num semáforo. Devem poder ser humanos.
"A vida pública é insustentável sem vida privada. É impossível governar, mesmo para o melhor dos democratas, sem a possibilidade de ter conversas discretas. Os únicos políticos invulneráveis à exposição são aqueles que controlam os segredos dos outros, ou aqueles cujo comportamento explícito é tão vergonhoso que são invulneráveis à chantagem. (...) Ao aceitarem que as vidas privadas das figuras públicas também são política, os cidadãos cooperam na destruição da esfera pública", lembra Timothy Snyder, no seu livro "Rússia, Europa, América - O Caminho Para o Fim da Liberdade".
2. Como toda a gente sabe, o "jágora" é um perigo durante umas obras. Jágora mármore na entrada. Jágora piscina no quintal. Jágora vidros quádruplos nas janelas. Jágora isto. Jágora aquilo. E o orçamento trepa, trepa, trepa.
O Viseu Arena está a seguir esta lógica. Em 2016, António Almeida Henriques disse que ele ia custar 2,5 milhões de euros; em 2017, jágora 3 milhões; em 2019, jágora 5,1 milhões; em 2020, jágora 6,4 milhões.
Com tanto jagorismo, com tanta incompetência nas candidaturas a fundos comunitários, com tanto borlismo cultural que fez o público perder o hábito de comprar bilhete, com tanta incerteza sobre os grandes eventos no pós-pandemia, há muitas razões para temer a viabilidade e a sustentabilidade futura do Viseu Arena.
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