Monotarefas*
* Hoje no Jornal do Centro
Podcast aqui
1. Ainda Sócrates era primeiro-ministro, escrevi aqui um texto intitulado “Multitarefas”, em que defendi esta coisa muito simples — nós somos capazes de fazer várias coisas ao mesmo tempo.
Dei até exemplos: um homem apanhado no IP3 a 160 à hora e a fazer a barba; uma mulher a levantar dinheiro num multibanco, a comer um croissant e a falar ao telemóvel.
Naquele texto, a minha tese era que os eleitores não se baralhavam se tivessem de votar no mesmo dia várias eleições ou vários referendos (infelizmente a lei continua a não deixar que isso aconteça) e que os deputados, numa manhã, eram capazes de aprovar o casamento entre pessoas do mesmo sexo (felizmente pouco depois foi legalizado) e ainda lhes sobrava o resto do dia para tratarem de outros assuntos.
Relido onze anos depois, percebo que aquele texto bem-humorado tinha alguns pés-de-barro. A capacidade de fazer várias coisas ao mesmo tempo não é universal: as mulheres são multitarefas, os homens nem por isso. Pior: debaixo de muita pressão, viramos todos monotarefas, só conseguimos dar atenção a um, e só um, problema.
A peste é um bom exemplo desse afunilamento: os serviços de saúde em todo o mundo mobilizaram-se para o combate à Covid-19 e descuraram tudo o resto, o tratamento das doenças crónicas, até a vacinação das crianças.
Esta semana, na TVI, Pedro Santos Guerreiro lembrou mais um exemplo deste só-uma-coisa-de-cada-vez: em 15 e 16 de Outubro de 2017, o país foi varrido por um incêndio devastador; dois dias depois, foi consumada a venda do Novo Banco à Lone Star. O primeiro desastre, de tão violento, não deixou que déssemos a devida atenção ao segundo.
2. Em Viseu, na Quinta da Cruz, está patente ao público uma exposição minimalista de Pedro Cabrita Reis, com néons e fios ao pendurão, designada I Dreamt Your House Was a Line.
Antes de a ter ido visitar, fiz uma navegação prévia na internet pelo universo mental que deu origem àquilo: pus-me a ver os tubos fluorescentes do genial artista norte-americano Dan Flavin.
Fiz mal. Devia ter trocado a ordem. Primeiro avia-se o mau e deixa-se o bom para o fim.
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1. Ainda Sócrates era primeiro-ministro, escrevi aqui um texto intitulado “Multitarefas”, em que defendi esta coisa muito simples — nós somos capazes de fazer várias coisas ao mesmo tempo.
Dei até exemplos: um homem apanhado no IP3 a 160 à hora e a fazer a barba; uma mulher a levantar dinheiro num multibanco, a comer um croissant e a falar ao telemóvel.
Naquele texto, a minha tese era que os eleitores não se baralhavam se tivessem de votar no mesmo dia várias eleições ou vários referendos (infelizmente a lei continua a não deixar que isso aconteça) e que os deputados, numa manhã, eram capazes de aprovar o casamento entre pessoas do mesmo sexo (felizmente pouco depois foi legalizado) e ainda lhes sobrava o resto do dia para tratarem de outros assuntos.
Relido onze anos depois, percebo que aquele texto bem-humorado tinha alguns pés-de-barro. A capacidade de fazer várias coisas ao mesmo tempo não é universal: as mulheres são multitarefas, os homens nem por isso. Pior: debaixo de muita pressão, viramos todos monotarefas, só conseguimos dar atenção a um, e só um, problema.
A peste é um bom exemplo desse afunilamento: os serviços de saúde em todo o mundo mobilizaram-se para o combate à Covid-19 e descuraram tudo o resto, o tratamento das doenças crónicas, até a vacinação das crianças.
Esta semana, na TVI, Pedro Santos Guerreiro lembrou mais um exemplo deste só-uma-coisa-de-cada-vez: em 15 e 16 de Outubro de 2017, o país foi varrido por um incêndio devastador; dois dias depois, foi consumada a venda do Novo Banco à Lone Star. O primeiro desastre, de tão violento, não deixou que déssemos a devida atenção ao segundo.
Fotografia daqui |
Antes de a ter ido visitar, fiz uma navegação prévia na internet pelo universo mental que deu origem àquilo: pus-me a ver os tubos fluorescentes do genial artista norte-americano Dan Flavin.
Fiz mal. Devia ter trocado a ordem. Primeiro avia-se o mau e deixa-se o bom para o fim.
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