Convite



A terra abre suas pálpebras
e oceano e céu são um convite ao fim do mundo
os seus cílios são brancos cúmulos na dissolução da tarde
há um incêndio de sombras e sangue púrpuro,
sem qualquer ruído

é apenas o sol deposto e a passagem do dia,
um estremecimento forte da pele, um respiro
mais fundo e as velhas questões acossando
tua consciência irredutível de estar vivo agora
e não depois

então diz adeus, despe a tua condição de forasteiro
deixa que a tua matéria seja a água e o esquecimento
do gosto acre da saliva deglutindo a seco
o contacto incómodo com a existência

os dias que foram, os dias que virão
teu medo mais derradeiro
tua angústia mais inominável
deita-os na coluna de espuma

enquanto o corpo é envolvido pela escuridão,
que não te pede absolutamente nada,
a não ser o silêncio profundo da tua alma
e das tuas obsessões calidamente cultivadas

escuta só o corpo latejando na concha
fria do universo, reverberando abandonos
e o êxtase da solidão

escuta esta canção de muito longe,
que todos os homens, em todas as épocas,
já ouviram, sentindo a escassez infinita
de si ante o pálio frio e espectral das estrelas

este ar, este mar não te saúdam
mas te recebem
se tu deixas a ti mesmo para trás
Laís Aquino


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