Dorme cá hoje
Dorme cá hoje. Tenho uma almofada a mais
feita de memory foam das televendas
onde a curvatura do meu crânio
já foi adivinhada.
Praticamos o modo bed and breakfast,
aceito dinheiro ou cartões
mas não te dou crédito,
em troca levo-te o café à cama.
Não estranhes este meu hábito
de deixar a luz acesa
para fingir que está alguém em casa
ou o outro de deixar
pernas e portas entreabertas
esperando que o último a sair
se lembre de as fechar.
Não espreites o quartinho dos arrumos,
onde guardo a esfregona,
os homens que corroem
e o óleo de cedro para móveis.
O meu chão irá ranger
quando o privares do teu peso;
por hoje, torna-te o homem-a-dias
que vem arejar este quarto alugado.
Descansa se ouvires o som de ossos
a estalar durante a noite;
são só os meus esqueletos
a dançar vitoriosos no armário.
Ana Bessa de Carvalho
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