Caixa de velocidades
Fotografia de Alexandre Godreau |
O carro arde, é
verão, falha-me
a embraiagem
(confesso que
tenho medo).
É por Monsanto que
sigo para recuperar
no opifício do comercial
centro a celeridade e
beijar as montras do
auto-conhecimento.
Faço aquisições, toco
na pele do pêssego.
Posso porque conheço
tão bem o curso que
me transporta para o
nível menos um
como a família
de feudatários
da qual descendo.
Respiro o condicionado
ar e a consolação de
um austero estacionamento.
Está escuro
está fresco
reina o silêncio.
Regresso ao vermelho
lugar e espera-me
aí — ar gasoso e suspenso
o garagista com olhos de Cristo
e é com mãos nos bolsos
que me aponta
o dedo.
De mão dada com
o meu saco plástico,
não me mexo.
De olhos fechados
conto até três
(como Ele pode)
mas é ponto
assente:
Pulverizados podem
seguir outros corpos
em nuvens isentas
financeiros túneis ou
vias rápidas mas
face ao ultimato
não concedo
Penso em nós —
súbditos amantes
no fundo do
saco de polietileno —
e simplesmente
não desapareço.
Susana Araújo
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