Identidades*

* Publicado hoje no Jornal do Centro

1. Esta semana o parlamento começou a debater três projectos de lei sobre identidade de género e mudança de sexo. O projecto do bloco prevê que, se houver oposição parental, a criança possa requerer judicialmente a mudança. A sua formulação jurídica parece equilibrada mas está a ser motivo de grossa polémica. Um lado da barricada escandaliza-se porque "agora-os-filhos-vão-poder-processar-os-pais!", a que o outro lado responde com "és-um-homofóbico!"

Estas querelas identitárias - sejam elas de género, de orientação sexual, de origem étnica ou religiosa, ..., - invadiram o espaço público. Em Portugal, a esquerda julgou que ia manter eternamente o monopólio nestes assuntos e ficou muito alarmada quando o candidato do PSD à câmara de Loures lhe invadiu o terreno, com eficácia comunicativa. É um sinal que o populismo identitário vai acelerar também do lado da direita.

Tony Judt
Este movimento começou há meio século nas universidades norte-americanas, com a formulação feminista: "todo o pessoal é político". O historiador Tony Judt criticou muito essa ideia porque, de facto, se tudo for político, então, nada é político.

Cheio de razão, ele bem avisou que não há usos honestos do identitário na política. Mas estas dinâmicas são imparáveis porque dão de comer a muita gente nas academias e nos partidos. E há que reconhecer que, muitas vezes, elas põem em evidência problemas que precisam de solução, como é o caso da mudança de sexo.

2. O governo "pondera" incluir uma questão sobre a origem racial da população no Censos 2021. A resposta seria facultativa, tal como acontece na pergunta sobre religião, para tornear as restrições constitucionais.

Ora aqui está um assunto identitário perturbante. Nada justifica a entrada de informação de raça nas estatísticas oficiais. Essa categorização é racista. Devia, isso sim, era desaparecer do Censos a pergunta sobre religião. É assunto que não deve interessar a um estado laico.

Comentários

  1. Bom e oportuno artigo.
    A questão é pertinente e populismo não tem cor.
    O sr Ventura vai ter a companhia do sr Nuno Melo. Aguardemos.

    E de que lado estamos quanto à Catalunha?
    Identidade é....


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  2. «Porque é que há-de ser tudo sobre 'mim'?
    Terão as minhas fixações importância para a República?
    Que raio quer dizer 'o pessoal é político'?
    Se tudo é 'político', então nada o é.»
    Tony Judt, in CHALET DA MEMÓRIA, edições 70, Lisboa 2011, p. 188/9

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