A cachola de Alexandre O'Neill

foi aqui recordada neste blogue a paixão de Alexandre O'Neill por Nora Mitrani.  
     
Foi quando o viseense Guilherme Gomes esteve no "Portugal Tem Talento" da SIC,  e disse "Adeus Português", poema que é a expressão da saudade do poeta pela linda surrealista francesa que tinha irrompido como uma aparição fulgurante na Lisboa cinzenta e triste do pós-guerra.
     
Em 12 de Janeiro de 1950, Nora Mitrani proferiu uma conferência intitulada: "La Raison Ardente". O'Neill foi o tradutor da conferência. Um tradutor competente, um tradutor apaixonado.
     
Nora Mitrani, depois, convidou O'Neill para ir ter com ela a Paris. Ele, de coração alvoroçado, começou a tratar dos papéis, coisa não fácil naqueles tempos de fechamento salazarista, naqueles tempos de "tudo pela nação, nada contra a nação!"
     
Como é sabido, um familiar de O'Neill meteu uma cunha na PIDE para que não fosse passado passaporte ao poeta. Durante o fascismo, os governos civis só emitiam passaportes depois da luz verde da polícia política.
     

A revista Pública de 18 de Agosto de 1996 contou o diálogo entre o Pide, o tristemente célebre inspector Seixas, e o poeta:
«Que vais fazer a Paris?»
«Turismo.»
«Conheces a senhora Nora Mitrani?»
«Sim.»
«Se calhar queres ir porque essa gaja te meteu alguma coisa na cachola...»
«Engana-se, Nora Mitrani não é uma gaja e eu não tenho cachola.»
     
Primeiro surpreendido, depois irritado, o inspector Seixas mandou-o sair.
Alexandre O'Neill ficou anos sem passaporte.


     
Anos depois, em 1962, Alexandre O'Neill escreveu "Os seis poemas confiados à memória de Nora Mitrani". Verdade verdadinha, tinham passado muitos anos e estes seis poemas já não eram dedicados a N. M., mas sim a uma colega de trabalho de O'Neill que era casada.
     
Fica aqui o segundo desses seis poemas (pode ser que o Guilherme Gomes um dia o diga e eu ponho aqui o vídeo):

Se eu pudesse dizer-te: — senta aqui
nos meus joelhos, deixa-me alisar-te,
ó amável bichinho, o pêlo fino;
depois, a contra-pêlo, provocar-te!
Se eu pudesse juntar no mesmo fio
(infinito colar!) cada arrepio
que aos viajeiros comprazidos dedos
fizesse descobrir novos enredos!
Se eu pudesse fechar-te nesta mão,
tecedeira fiel de tantas linhas,
de tanto enredo imaginário, vão,
e incitar alguém — Vê se adivinhas…
            Então um fértil jogo amor seria.
            Não este descerrar a mão vazia!

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