Música ambiente*

* Texto publicado no Jornal do Centro há exactamente dez anos, em 29 de Agosto de 2014


Imagem não do bar desta história, mas daqui
Num dos primeiros dias do ano, fui a um bar ter com uns amigos. Nunca lá tinha entrado. Achei-o agradável. Balcão bonito, espaço amplo e bem decorado, pessoas, muitas pessoas, em modo de sexta-à-noite. Tudo muito agradável aos olhos.

Atrás do balcão, fitadesivada, uma chalaça numa folha A4: 
NÃO HÁ WI-FI, FALEM UNS COM OS OUTROS.

Lá me sentei à mesa.

Chegado por último, apanhei boleia na conversa que decorria animada. Era uma conversa anti-austeritária nas palavras, sem défice nenhum de argumentos e contra-argumentos, uma conversa sobre o desconcerto deste país a precisar de conserto. Às sextas-à-noite, entre amigos, salva-se o mundo, o país, a cidade. Salva-se a noite. É o melhor que há, desacordos concordados, bem-humorados, os casacos a enfumararem, depois arejam na varanda, muito vento à noite, era inverno naquela sexta-à-noite.

Entretanto, os decibéis da "música ambiente" foram aumentando, aparecera um "dijei", muito pro, muito concentrado nas suas "remixações". O som ficou alto. Muito alto.

O bar continuava agradável ao olhar. Por cima do som agora alto, em todas as mesas, as conversas estavam todas, também elas, mais altas. O "dijei" punha música em cima do ambiente, o ambiente punha conversa em cima da música.

Olhei à volta. Não havia espaço nenhum para dansação. Todas as pessoas, as das mesas e as do balcão, desouviam a "remix". Toda a gente falava com toda a gente, menos a namorada do "dijei", que, melancólica no seu vestido de sexta-à-noite, mexia, com a unha de gel, o gelo da caipirinha.

Um dos meus amigos chamou o dono do bar.

«Desculpe, pode dar-me a palavra-passe?»

«Não viu o aviso?», impacientou-se o homem todo "não-há-wi-fi-conversem-uns-com-os outros".

«Sabe, meu caro», gritou o meu amigo, porque tinha de ser a gritar, «era mesmo para falarmos uns com os outros. No messenger.»

Comentários

Mensagens populares