Cão-guaxinim, cordões sanitários e o bonito serviço do juiz Rosa*

* No Jornal do Centro — aqui

1. Ainda não se sabe bem como vai acabar a pandemia mas começa-se a fazer uma ideia da forma como ela começou: dois estudos científicos, publicados no final de Fevereiro, dão como certo que o salto do SARS-CoV-2 para os humanos terá ocorrido, em Novembro de 2019, na secção de venda de animais vivos do Mercado de Huanan, cidade de Wuhan, na China.

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Foram recolhidas amostras de superfícies, de produtos e animais (aves, cobras, texugos, salamandras gigantes, crocodilos siameses e demais bicharada lá vendida) e a evidência achada aponta para que o responsável por aquele salto viral tenha sido o cão-guaxinim.

Fica aqui uma necessária reparação: há que limpar o cadastro ao primeiro acusado, o simpático pangolim, que foi vítima de muito má imprensa por esse mundo fora, incluindo aqui no Olho de Gato. 


2. Como se sabe, o artigo 175º da constituição, para evitar abusos das maiorias, reserva a cada um dos quatro maiores grupos parlamentares a prerrogativa de indicar um nome candidato a vice-presidente do parlamento, nome esse que depois se sujeita ao voto secreto dos 230 deputados. 

O Chega viu chumbados os dois nomes que indicou. Sem surpresa: se tivesse proposto sucessivamente os seus doze eleitos, os doze levavam nega. 

A Iniciativa Liberal viu o seu presidente ser rejeitado. Uma surpresa que levou aquele partido a não indicar mais ninguém. 

Por essa “Europa” fora há, com maior ou menor sucesso, “cordões sanitários” a partidos extremistas. Exemplos de “cordões sanitários” a partidos liberais é que não são tão fáceis de achar. É melhor não procurarmos muito. Às tantas, os deputados do PS e do PSD que recusaram João Cotrim Figueiredo foram inspirar-se nas práticas “democráticas” da Hungria de Viktor Orbán.

3. Há exactamente um ano, no dia 9 de Abril de 2021, o juiz de instrução Ivo Rosa apareceu em directo nas televisões a fazer cair quase todos os crimes listados pela acusação no caso Marquês. Foi uma razia. Dos 189 crimes referenciados pelo ministério público, o homem fez cair 172, só manteve 17 e nenhum deles de corrupção.

O país ficou estupefacto e furioso. A partir daquele dia ficou a saber-se, para além de qualquer dúvida, que Portugal tem uma justiça para ricos e outra para pobres. 

O Instituto de Ciências Sociais mediu a “confiança dos portugueses na justiça” antes e depois daquele desgraçado 9 de Abril e o resultado é inequívoco — a confiança dos portugueses nos tribunais caiu 16%

Entretanto, neste ano que passou, a entropia no nosso sistema judiciário subiu para outro patamar. Agora são frequentes lutas entre juízes, distribuição enrodilhada de processos, até se conheceram casos de justiça privada em instalações de tribunais superiores

Haja alguém que explique a António Costa e a Marcelo Rebelo de Sousa que a (falta de) justiça é o principal problema do país, mina a confiança nas instituições, corrói a certeza jurídica no cumprimento dos contratos, afugenta investimento, empurra inexoravelmente Portugal para a cauda da Europa.

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