Para lamentações*

* Hoje no Jornal do Centro

O título deste Olho de Gato assume o nada original jogo de palavras: a nossa vida parlamentar é para lamentar.

Cada vez há mais berbicachos com o fim do mês dos deputados. São sarilhos e mais sarilhos que a comissão de “ética” do parlamento e os visados tentam remendar com o costumeiro: “não houve incumprimento da lei”. Desta dupla negativa não sai nada de positivo para a casa da democracia que devia ser a primeira dar o exemplo.

Há uns anos, Inês de Medeiros, eleita por Lisboa, só não pôs o parlamento a pagar-lhe os bilhetes semanais de avião para Paris porque houve um escarcéu danado. Casos de deputados com casinha em Lisboa mas que dão uma morada no círculo por onde foram eleitos são mais do que as mães. O último — apanhado literalmente na casa da mãezinha — foi Feliciano Barreiras Duarte. Mas há mais.


Fotografia de Pedro Nunes
Lusa (daqui)
O Expresso divulgou o extraordinário caso de oito deputados, o poderoso Carlos César incluído, todos eleitos pelas ilhas, que, além de abicharem quinhentos euros por semana para deslocações, ajuntam em cima deste pecúlio o valor dos bilhetes de avião.

Um dos apanhados, o deputado Paulino Ascensão, confessou ter tido uma “prática incorreta” (rima com “forreta”, mas a culpa é do acordês com que escreveu o comunicado). E o bloquista, “após reflexão”, diz que desforreta o dinheiro indevidamente recebido para o entregar a instituições sociais da Madeira. E comunica que renuncia ao lugar.

Mal li este comunicado, elogiei o homem nas redes sociais e mandei uma ferroada em Carlos César. A ferroada foi justa, o panegírico, uma precipitação. Elogiar esta gente é uma imprudência. Afinal o bloquista, lá na sua prosa, absteve-se de referir que já tinha previsto sair de Lisboa para ir para um lugar político no Funchal. Afinal, como tinha sido apanhado com a boca na botija, tinha só antecipado a saída.

Vamos lá ver, agora, se o bloco deixa o Paulino Ascensão ascender ao lugar que lhe tinha reservado na Madeira.

Comentários

  1. Cito: “os visados tentam remendar com o costumeiro: “não houve incumprimento da lei”.
    Noutros tempos, responderiam com o costumeiro: “A Bem da Nação”!

    Desde os gregos que sabemos os políticos têm de ser bem pagos senão qualquer dia isto é só medíocres e ainda corremos o risco de ver o líder parlamentar do PS a andar de Clio…
    Mas, para o comum dos cidadãos o mote diário é: a economia, a produtividade, o crescimento económico, a inflação, a meta do défice, a sustentabilidade da segurança social, as temíveis agências Standard & Poor's e Cª da treta e não refiles, pá!

    Já alguém disse neste país: ”Sei muito bem o que quero e para onde vou”, e eu não gostava de voltar a viver esses tempos.

    O problema é que, 44 anos depois do glorioso dia, andamos separados.
    Hoje, uma elite histórica e culturalmente ignorante promoveu a instalação de modelos económicos estranhos à cultura portuguesa, criou níveis de desigualdade social e de pobreza que se julgavam definitivamente superados. Talvez seja por essa razão que os antigos sabiamente afirmavam: " A pobreza reparte, a riqueza acumula".

    Estamos a viver em Democracia cheios de medos. A cultura do chefe, do chefezinho e do respeitinho, está de regresso. Medo de um futuro similar a um passado, que se pensava ter acabado com o 25 de Abril de 1974.

    John Stuart Mill disse uma vez: “Os conservadores não são necessariamente estúpidos, mas as pessoas mais estúpidas são conservadoras”.

    Quarenta e quatro anos depois do 25 de Abril de 1974, alternativas precisam-se.



    PS: excelente texto Sr Gato. "Dá-lhe Falâncio!"

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    Respostas
    1. Obrigado, JB

      Nas redes sociais partilhei esta crónica com a seguinte introdução:

      «— esta anedótica codícia pelo fim do mês deputacional não é o aspecto pior do parlamento

      — noutra crónica regressarei a esse pior, esta é só para deselogiar o que não devia ter elogiado»

      Terei que regressar a esse pior, claro, porque nada muda, nada regenera


      Abraço

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