Encerrados no presente*
* Texto publicado no Jornal do Centro há exactamente dez anos, em 23 de Maio de 2013
A vida de Henry Gustave Molaison não foi nada boa. Na lotaria que é este “estar cá”, ele teve muito azar. Aos 10 anos teve o primeiro episódio de epilepsia. Os ataques tornaram-se cada mais frequentes e mais fortes, pelo que em 1953, tinha Henry 27 anos, fizeram-lhe dois buracos no crânio, um de cada lado, e removeram-lhe parte da massa encefálica.
Depois da cirurgia, Henry ficou muito melhor da epilepsia mas aconteceu-lhe uma catástrofe: a operação retirou-lhe a memória da sua vida e a capacidade de formar novas evocações. Henry ficou encerrado no presente — o seu campo de consciência ficou reduzido a trinta segundos.
Nos 55 anos seguintes — Henry morreu em 2008 -, ele foi o caso de amnésia mais estudado no mundo, foi sujeito a todo o tipo de testes, a imagiografia do seu cérebro figurou em todos os manuais da especialidade.
O seu caso é descrito em “Permanent Present Tense: The Unforgettable Life of the Amnesic Patient H. M.”, um livro acabado de editar no Estados Unidos, da autoria de Suzanne Corkin, a médica que o acompanhou e o protegeu, impedindo que ele fosse tratado como um fenómeno de feira.
Li a recensão deste livro no dia em que as televisões estiveram a fazer um estardalhaço com o relatório da OCDE entregue, em Paris, por Angel Gurria a Pedro Passos Coelho.
Nas televisões ninguém recordou às pessoas que, em Setembro de 2010, a menos de um ano da nossa bancarrota, o mesmo Angel, com a mesma cara-de-pau, apareceu nas televisões a entregar um outro relatório salvador da pátria, então a Teixeira dos Santos. Tanto em 2010 como agora seguiram-se, depois, os intermináveis enche-chouriços do costume dos comentadores televisivos.
O fluxo de notícias é cada vez mais os trinta segundos de Henry Molaison. Uma coisa sem passado e sem futuro, encerrada no presente, a fingir que está a informar o público.
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