Coisíssima nenhuma*
* Texto publicado no Jornal do Centro há exactamente dez anos, em 16 de Maio de 2013
«A senhora deputada afirmou que eu fui eleito e a senhora deputada deveria saber que eu não fui eleito coisíssima nenhuma...», atirou em pleno parlamento Vítor Gaspar a Ana Drago.
Por causa disto, o homem foi carimbado de “salazarento”. Ora, aquele “não fui eleito coisíssima nenhuma” é um facto indesmentível: Vitor Gaspar não foi a votos. E não é o único: temos tido dezenas de ministros que nunca foram a votos. Isso será bom?
Na Inglaterra, na velha democracia inglesa, tal não é possível — um político que não ganhe na sua circunscrição tem que mudar de vida.
Este método parece bom: obriga à prestação de contas ao povo e torna mais improvável governos com “engenheiros sociais” que desconhecem a vida real das pessoas. Em suma, um país fica mais ao abrigo de “Vítores-Gaspares”.
Na terceira república ninguém é responsabilizado nem presta contas por nada. Veja-se o caso das PêPêPês e das swaps. Os responsáveis destas facadas no interesse público não vão ter dissabores nem na justiça nem na política.
Prestar contas políticas faz-se através do voto. Precisa-se de um sistema em que os eleitos tenham que responder perante os eleitores e não perante o chefe que os põe nas listas. Era bom evoluir-se para um sistema eleitoral personalizado, com círculos uninominais e um círculo nacional. Este círculo nacional — para além de recuperar os votos não convertidos em mandatos nos círculos uninominais — deveria incluir as personalidades ministeriáveis (ministros que só poderiam ser recrutados entre eleitos; o saber tecnocrata ficaria para as secretarias de estado).
Passos Coelho e António José Seguro não percebem, ou não querem perceber, o grau de apodrecimento do regime e não fazem nada para o melhorar. Por exemplo, apesar das pressões da troika, o boyismo municipal vai ficar na mesma. Neste aspecto, as autárquicas não vão mudar “coisíssima nenhuma”.
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