Alemanha do Leste, Rússia, Lisboa e a paisagem
* No Jornal do Centro aqui
1. No seu livro “A Cortina de Ferro”, Anne Applebaum descreve como no leste europeu, entre 1944 e 1956, os partidos comunistas roubaram eleições, fecharam jornais, prenderam democratas, anularam todas as organizações da sociedade civil, perseguiram religiões e tomaram conta da Hungria, Roménia, Alemanha Oriental, Bulgária, Checoslováquia e Polónia, cujos povos estão agora, muito compreensivelmente, em pânico com o expansionismo putinista.
Eis um episódio descrito naquele livro de Applebaum: o jornalista Hugo Polkehn, logo a seguir à guerra nazi, tornou-se editor no Tribuna, o jornal sindical da Alemanha comunista. Durante um par de anos viveu tranquilo, embora, evidentemente, com especial cuidado com o que escrevia, por causa da censura.
Em 5 de Março de 1953, dia da morte de José Estaline, aquele dedicado militante comunista ficou incumbido da escrita do obituário, tarefa de que ele se desenvencilhou com brio, recorrendo a todos os panegíricos, louvores e encómios em uso nos países debaixo da pata soviética.
Só que, depois, um tipógrafo enganou-se a montar o texto e, em vez de escrever “Estaline foi um grande amigo da paz”, gralhou um desastroso “Estaline foi um grande amigo da guerra”.
Resultado: Polkehn e o tipógrafo foram imediatamente detidos e condenados a cinco anos de prisão.
Sessenta e nove anos depois, as televisões, rádios, jornais e demais plataformas controladas pelo Kremlin lá vão dando, à sua maneira, “notícias” sobre as circunstâncias que “obrigaram” a “relutante” Rússia a ter que ir “desnazificar” a Ucrânia e como os “malvados” ucranianos “estão a bombardear as suas próprias cidades” e como os ataques russos são sempre de “precisão” e só acertam em alvos militares.
Ao que se sabe, ainda nenhum jornalista teve o azar de dizer “guerra na Ucrânia” em vez de “operação militar especial na Ucrânia”. O primeiro que se descair vai dar-se mal. Em 1953, com Estaline, eram cinco anos de prisão. Agora, com Putin, falhar as “palavras certas” dá direito a quinze anos a ver o sol aos quadradinhos.
2. A Direcção Geral do Património, sem nenhuma espécie de concurso público, dividiu da seguinte forma as verbas do Plano de Recuperação e Resiliência destinadas à reabilitação de edifícios culturais:
— Área Metropolitana de Lisboa: €114.240.500;
— Região Centro: €19.655.000;
— Região Norte: €9.849.500;
— Alentejo: €2.965.500;
— Algarve: €1.221.000.
Este números, apurados pelo Porto Canal, a única televisão portuguesa que não está ao serviço da corte de Lisboa, foram também apresentados desta outra maneira: Por cada euro para “a paisagem” vão três euros e quarenta cêntimos para a capital.
A bazuca vai correr bem, não vai?
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