À-vontade-do-freguês *

* Texto publicado no Jornal do Centro há exactamente dez anos, em 2 de Março de 2012


Quando Vasco da Graça Moura chegou ao Centro Cultural de Belém deu ordem aos serviços para não aplicarem o novo acordo ortográfico. Esta decisão teve um enorme impacto no país, relançou a discussão sobre o assunto e a mim, confesso, deliciou-me.   

Desde que se conhece o acordo, tem havido tensão entre a cultura e a política, com os argumentos dos homens das letras a baterem no muro do “tem que ser” dos políticos.

Esta semana, numa tertúlia em que Fernando Paulo Baptista e os deputados João Figueiredo, Acácio Pinto e Hélder Amaral debateram o acordo ortográfico, mostrei uma página de cinema da última Visão que escreve “espectadores” e, umas linhas abaixo, “espetadores” — um espectáculo espetacular.    

António Emiliano, autor de “O Fim da Ortografia”, explica que os “génios” que fizeram o acordo permitem até quatro grafias diferentes da mesma palavra: fraccionámos-fraccionamos-fracionámos-fracionamos ou decepcionámos-decepcionamos-dececionámos-dececionamos.  

Mesmo não tendo uma agenda tão preenchida como a de Domingos Duarte Lima quando vai ao Brasil, os “académicos” que foram ao lado de lá do Atlântico negociar o acordo não arranjaram tempo para evitar esta escrita “à-vontade-do-freguês”.     

O secretário de estado Francisco José Viegas afirmou na terça-feira na TVI que vai alterar, até 2015, algumas regras do acordo ortográfico. E disse ainda que não há nenhuma “polícia da língua”. Para bom entendedor...    

Estamos nisto: vamos ter gente a escrever em acordês, gente a escrever em desacordês. Durante uns anos largos, em vez de uma ortografia, vamos ter uma estereografia (na hipótese mais optimista-otimista) ou uma multigrafia (é o mais provável). Vai ser o bom e o bonito nas aulas de português.    

A boa notícia é que, de “qqr” maneira, vamo-nos entender. Até nas sms.

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