Primavera no outono
* Publicado no Jornal do Centro há exactamente dez anos, em 28 de Outubro de 2011
No início deste ano, Mohammed Bouazizi, um licenciado tunisino impedido de ganhar a vida como vendedor ambulante, deitou fogo a si próprio. Esta tragédia fez acordar a rua árabe. Centenas de milhares de pessoas encheram as praças de vários países com uma mensagem poderosa – queriam a liberdade.
A morte de Bouazizi deu início à “primavera árabe” que está a reconfigurar a paisagem política no médio oriente: já caíram Ben Ali (23 anos de poder na Tunísia), Hosni Mubarak (29 anos no Egipto) e Muammar Kadhafi (42 anos na Líbia).
Daqui
A seguir pode ser Bashar al-Assad, presidente sírio que está a massacrar o seu povo. Não era mau que ele fosse atingido por um qualquer satélite dos que andam a regressar desgovernados à mãe-terra.
Depois da secularização feita pelo “socialismo nacionalista” árabe até aos anos de 1970, passou a ganhar força o islamismo que impôs regimes confessionais. Começado em 1979 por Khomeini no Irão, este processo acelerou-se a partir da queda da União Soviética.
Como diz Slavoj Žižek, os Estados Unidos fizeram um erro terrível ao terem armado o islamismo radical contra os “socialismos” árabes. Ao fazerem isso, eles atiraram um boomerang para o ar, boomerang que, anos depois, deitou abaixo as torres gémeas.
Agora entrou-se noutro ciclo: a primavera árabe quer democracia e isso enfraquece a tese da “excepção islâmica”: a tese que o islão é incompatível com a democracia e o estado de direito.
Para aprofundamento deste tema, é recomendável a análise de Sami Zubalda intitulada “The arab spring in historical perspective”.
Entre a morte de Mohammed Bouazizi e as primeiras eleições livres da história da Tunísia passaram 292 dias. Foram no passado domingo.
Saúde-se esta primavera no outono.
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