Le Léthé / O Letes
Fotografia de Hiro Wakabayashi |
Viens sur mon cœur, âme cruelle et sourde,
Tigre adoré, monstre aux airs indolents ;
Je veux longtemps plonger mes doigts tremblants
Dans l'épaisseur de ta crinière lourde ;
Dans tes jupons remplis de ton parfum
Ensevelir ma tête endolorie,
Et respirer, comme une fleur flétrie,
Le doux relent de mon amour défunt.
Je veux dormir ! dormir plutôt que vivre !
Dans un sommeil aussi doux que la mort,
J'étalerai mes baisers sans remord
Sur ton beau corps poli comme le cuivre.
Pour engloutir mes sanglots apaisés
Rien ne me vaut l'abîme de ta couche ;
L'oubli puissant habite sur ta bouche,
Et le Léthé coule dans tes baisers.
À mon destin, désormais mon délice,
J'obéirai comme un prédestiné ;
Martyr docile, innocent condamné,
Dont la ferveur attise le supplice,
Je sucerai, pour noyer ma rancœur,
Le népenthès et la bonne ciguë
Aux bouts charmants de cette gorge aiguë
Qui n'a jamais emprisonné de cœur.
Charles Baudelaire
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Vem ao meu peito, alma cruel e surda,
Tigre adorado, com ares indolentes;
Vou mergulhar os meus dedos frementes
Na espessura da tua farta juba;
Nos teus saiotes cheios de perfume
Amortalhar esta cabeça aflita
E respirar, como flor ressequida,
O suave mofo de um amor defunto.
Quero dormir! mais que viver, dormir!
E num sono tão doce como a morte
Espalharei os meus beijos sem remorso
Plo teu corpo lustroso como o cobre.
Para engolir o meu choro sereno
Nada melhor que o abismo do teu leito;
Na tua boca mora o esquecimento
E o próprio Letes corre nos teus beijos.
Ao meu destino, agora uma delícia,
Irei obedecer, predestinado;
Mártir dócil, sem culpa condenado,
Cujo fervor lhe espicaça o suplício,
Irei sugar, pra afogar o meu ódio,
Toda a boa cicuta e o nepentes
Nos belos bicos desse esguio colo
Que nunca teve um coração lá preso.
Trad.: Fernando Pinto do Amaral
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Vem ao meu peito, ó surda alma ferina,
Tigre adorado, de ares indolentes,
Quero aos meus dedos mergulhar frementes
Na áspera lã de tua espessa crina;
Em tuas saias sepultar bem junto
De teu perfume a fronte dolorida,
E respirar, como uma flor ferida,
O suave odor de meu amor defunto.
Quero dormir o tempo que me sobre!
Num sono que ao da morte se confunde
Que o meu carinho sem remorso inunde
Teu corpo luzidio como o cobre.
Para engolir-me a lágrima que escorre
O abismo de teu leito nada iguala;
O esquecimento por teus lábios fala
E a água do Letes nos teus lábios corre.
O meu destino, agora meu delírio,
Hei de seguir como um predestinado;
Mártir submisso, ingênuo condenado,
Cujo fervor atiça o seu martírio,
Sugarei, afogando o ódio malsão,
Do mágico nepentes o conteúdo
Nos bicos desse colo pontiagudo,
Onde jamais pulsou um coração.
Trad.: Ivan Junqueira
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