Um zombie com uma pipa de massa

* No Jornal do Centro aqui


Em Novembro de 2012, com o país ainda entroikado, António José Seguro propôs a criação de um banco de fomento “de propriedade pública, focado no apoio ao investimento e beneficiando dos próximos fundos comunitários.”

Esta proposta do então líder da oposição não pareceu grande espingarda a ninguém e a comunicação social não lhe ligou grande coisa. Ao fim e ao cabo, o país já tinha um banco público “focado no apoio ao investimento” em elefantes brancos e berardos. Chamava-se e chama-se Caixa Geral de Depósitos. Para quê criar outro? 

A troika também torceu o nariz a um segundo banco público. Mas o facto é que este acabou por ser cozinhado discretamente por “chefs” devidamente ataviados de luvas e avental. Em Outubro de 2014, o bloco central criou a “IFD - Instituição Financeira de Desenvolvimento”, com um capital público de cem milhões de euros. Uma curiosidade: a sede ficou no Porto e não em Lisboa. Deve ter caído um santo do altar.

Ora bem, desde a sua fundação, a IFD foi sempre uma nulidade. Dali não veio nada que correspondesse ao sonho de António José Seguro. Durante seis anos, houve a criação de alguns empregos na “Inbicta”, mas pouco mais: a IFD foi um "banco de fomento zombie", ...

Daqui
 ... completamente "irrelevante" (qualificativos que peço emprestados ao director do jornal online Eco).

Isto enquanto as águas iam passando debaixo da ponte da Arrábida e os tempos mudavam: veio a primeira geringonça e as selfies de Marcelo e o golo do Éder e o boom das escapadinhas em alojamento local, veio a segunda geringonça e a covid. 

A peste é uma desgraça sanitária e é uma desgraça económica. Para a primeira, a UE arranjou as vacinas, para a segunda, a bazuca. Para as vacinas, temos o vice-almirante. Para a bazuca, boys. Portugal costuma derreter fundos comunitários mal e devagar, agora vai ter de os derreter depressa, a bem ou a mal.  

Para responder a esta premência, António Costa e o ministro Siza Vieira enfiaram numa panela a morta-viva IFD, depois, para dar àquilo algum sabor, acrescentaram-lhe a PME-Investimentos e a Sociedade Portuguesa de Garantia Mútua, a seguir mexeram bem aquelas três instituições, acrescentaram lá para dentro 255 milhões de euros de capitais públicos, deixaram apurar ao lume, e, tarããã!: no dia 3 de Novembro de 2020, ficou cozinhado o Banco Português de Fomento.

Foi  exactamente para “chairman” deste novo banco que o governo designou Vítor Rodrigues, o gestor que acaba de ser atropelado pelos sarilhos de Luís Filipe Vieira. Foi exactamente ao lado de Vítor Rodrigues que, em 14 de Abril, o ministro Siza Vieira anunciou o aumento de “poder de fogo” do Banco Português de Fomento com mais 1,25 mil milhões de euros provenientes da bazuca. Um balúrdio.

O jogo vai começar. De um lado vamos ter um banco sem líder, cozinhado à pressa através da fusão de três instituições com culturas organizacionais diferentes, e com uma pipa de massa para distribuir. Do outro lado, temos glutões de fundos comunitários com décadas de treino. 

Vai correr tudo bem, não vai? 

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