Do uso da usura em poesia



O banqueiro que há em todo o poeta
praticante da contenção
– mesura, cesura, doçura, censura –
exultará quando lhe mostrarmos
que na terra dos mortos-vivos
Sísifo empurra o peso da sua riqueza
e não apenas um descomunal penedo
uma vez finado de velhice duvidosa.

O banqueiro que há em todo o poeta
teórico-praticante da poupança
‒ baixeza, pureza, grandeza, proeza –
jubilará quando lhe demonstrarmos
que o sovina e o esbanjador
se reconciliam em pé de página
sempre que o poema estende os braços
à corte, ao salão, à academia.

Diz-nos Shylock
que bem sabia do que a casa gasta
a pretexto de um certo viver
de amor morno e água fria
na arcádia das entrelinhas:
«A vileza que me ensinais, pô-la-ei em prática,
e custe o que custar, melhor serei que os meus mestres.»

Ao que responderemos
respeitosamente
e em defesa do apego ao pão duro:
para bom entendedor,
a palavra de sobra
é justamente aquela que magoa
e faz obra.
Regina Guimarães


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