O mito da punhalada nas costas*
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1. A carnificina da I Guerra Mundial chegou ao fim no outono de 1918. O imperador alemão Guilherme II abdicou a 9 de novembro, dois dias depois foi assinado o armistício. Seguiu-se o duríssimo Tratado de Versalhes.
Foi naquele contexto de humilhação alemã que surgiu o...
... Dolchstoßlegende — o “mito da punhalada nas costas” — que, literalmente, afirmava que os soldados germânicos não tinham tinham sido derrotados no campo de batalha, tinham era sido apunhalados nas costas por quem assinou a paz.É claro que nada naquilo tinha base factual, as trincheiras alemãs foram dizimadas pela fome e pelo poder de fogo dos aliados. Mas, já se sabe, um mito para funcionar não precisa de ser verdade e o Dolchstoßlegende foi aproveitado, depois, pelos nazis para minar a democracia alemã.
Dois artigos recentes no New York Times — “Trump cria o seu mito da punhalada nas costas” e “A Alemanha de 1918 tem um aviso para a América” — encontram analogias entre aquela mentira de 1918 e o que se está a passar agora nos EUA.
Nada do que aconteceu nas “trincheiras” das últimas eleições presidenciais norte-americanas indica que tenha havido fraude ou roubo eleitoral. Muito pelo contrário. Mas Donald Trump continua com o seu “Parem o roubo!” e Rudolph Giuliani teima nas suas patéticas recontagens de votos que tanta tinta fazem correr, incluindo pela sua cara abaixo.
E as mentiras daqueles dois estão a pegar: uma sondagem da Reuters/Ipsos, feita duas semanas depois das eleições, revela que 52% dos republicanos acha que Biden manipulou os resultados.
Isso que não admire ninguém: os trumpistas estão cada vez mais fechados na sua bolha. Por exemplo, estão a aderir em força à Parler e a deixar as outras redes sociais que não deixam viralizar as aldrabices da criatura cor-de-laranja que ainda habita a Casa Branca.
É claro que Trump e Giuliani sabem que perderam as eleições. O que eles estão a fazer é a erodir a legitimidade de Biden, ao mesmo tempo que, com aquele pretexto da “punhalada nas costas”, vão colectando doações dos fiéis — depois de 3 de Novembro, já empocharam mais de 207 milhões de dólares.
2. Nós também já cá tivemos o nosso Dolchstoßlegende, e não foi há muito tempo. Em 2011, José Sócrates criou o mito do PEC4, o plano milagroso que nos teria livrado da bancarrota não tivesse sido a facada nas costas que lhe espetou a oposição.
Houve um congresso do PS, em Matosinhos, em Abril daquele ano, em que, pelo menos, 99% dos congressistas que foram ao microfone repetiram o mesmo guião: tinha havido uma facada nas costas de José Sócrates.
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