O homem bisado

 

Fotografia de Amin Moshrefi

Alegra-me ser todas as coisas e as sombras que elas projectam

ser a sombra dos teus seios e da tua boca

o criado de smoking branco que te agita os cabelos

para um cocktail estimulante e fresco

a mesa onde passo a ferro o teu corpo

as espádulas as coxas a curva macia dos joelhos

alegra-me ser o contorno da tua nuca e o binário motor dos teus braços

embora mais pequeno do que um corpúsculo celeste

sou os milhões de astros microrganismos estrelas

a rota de todos os navios perdidos

a angústia síntese de todos os suicidas

a forma de todos os animais conhecidos

o desenho rigoroso de toda a flora existente


Ontem em Paris hoje em Lisboa amanhã em Júpiter

caminho para a resolução de todos os problemas

sem a certeza de resolver qualquer deles

como se fosse uma máquina de somar parcelas

quatro vezes quatro oito vezes dez oitenta

sabe-me a vida ao que é

esta progressão assustadora de crocodilos bebendo limonada

Ontem fui a prostituta a quem paguei a noite

hoje serei talvez o inocente violentador frustrado

Sutmil é a cidade para onde me evado todas as noites à aventura

e «os anéis de Saturno são a força centrífuga-centrípeta que me

agita os braços no espasmo amoroso»

a cabeça em Marte os pés na Terra

vindo «lá do fundo do horizonte lívido»


O comboio está na gare o comboio vai partir

apressemos o passo o momento é solene

somos o automóvel que sobe a avenida

a pulsação acelerada dos maquinismos

taxímetro de uma cidade de província

satélites de um satélite lunar


Tu és o aeroporto eu o avião que parte

e muito mais calmos entre éter e fogo

percorremos os sonhos de planeta em planeta desfolhando o futuro a flor sempre rara

e marcamos nos astros o nosso roteiro DEZ QUILÓMETROS

amanhã tirarei o curso de sonhador espacializado

Pedro Oom


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