Elogio das tílias*

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A circunvolução da terra em torno do sol produz hoje, 20 de Junho, o solstício — o dia mais longo no hemisfério norte, a noite mais longa no hemisfério sul.

Entre nós, por causa da peste, estes dias grandes e estas noites pequenas não vão ter pimbas nos adros, nem martelinhos nas carolas, nem cavalhadas, nem sardinhas assadas nas ruas, nem marchas populares.

Pensando melhor, mais vale não sermos muito peremptórios nesse “não-vão-ter”. É que, como se sabe, os humanóides têm relutância à social distância. É-lhes difícil resistir à pressa destas noites dionisíacas, noites propícias aos amores de verão e aos amores de todas as estações, noites de bebedeiras dos sentidos, noites que carpediam.

Esperemos que não haja muitos contágios, que as sardinhas sejam assadas nas varandas e que se façam poucas actividades ao desabrigo das recomendações da dra. Graça Freitas.


Fotografia Olho de Gato
Indiferentes a estas inquietações e pulsões dos humanos, as tílias cumprem a sua vocação, como se diz num poema do viseense João Luís Oliva: “cheirar a tília é, afinal, o destino inexorável das tílias...” (Não se estranha a referência daquele amigo querido, cidadão do mundo, nascido na cidade das tílias.)

As tílias nunca nos falham. Por alturas do solstício estão no seu perfume máximo. Mesmo neste ano desgraçado de 2020, o seu aroma consegue pituitar-nos através das máscaras cirúrgicas e das máscaras sociais, com griffe ou sem griffe.

Aquela fragrância boa conseguiria, até, atravessar as “máscaras reutilizáveis” cujo envio a câmara de Viseu calendarizou para a “última quinzena de maio”, “por correio”, a “todas as habitações” do concelho.

Ainda não chegaram, mas releve-se mais este inconseguimento de António Almeida Henriques. Elas vão falhar o perfume das tílias do Rossio, mas darão para o das castanhas assadas, quando destas for o tempo. Isto se as prometidas máscaras chegarem a tempo, claro.

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