Nogales*

* Hoje no online do Jornal do Centro
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Nogales é uma cidade partida ao meio por um muro, a parte norte pertence ao Colorado/EUA e a parte sul pertence a Sonora/México.

A parte norte-americana tem um rendimento per capita de 30 mil dólares, as pessoas têm pelo menos o secundário, há uma boa esperança de vida e bons serviços públicos. A lei é respeitada e há pouco crime.

A Nogales mexicana tem um terço do rendimento dos seus vizinhos do norte, escolaridade baixa, grande abandono escolar na adolescência, menor esperança de vida, serviços públicos deficientes, muita criminalidade e corrupção.

Como ambos os lados têm antepassados comuns e a mesma cultura (Nogales foi mexicana até 1853), como explicar este fosso? Como pode haver uma esperança de vida desigual? É que “não há qualquer diferença no que se refere à geografia, clima ou tipos de doenças prevalecentes na zona, uma vez que não há qualquer restrição que impeça os germes de atravessarem, nos dois sentidos, o espaço entre os Estados Unidos e o México.”

As causas desta disparidade encontram-se nas instituições e nas elites dos dois países, conforme explicam Daron Acemoglu e James A. Robinson em “Porque Falham As Nações”, de onde provém tudo que escrevi até agora.
Fotografia daqui


Ora, aqueles autores não podiam imaginar que, sete anos depois de terem escrito este livro, um “germe” chamado SARS-CoV-2 se ia transformar num boomerang aos espirros em cima da xenofobia trumpista.

É que, ao contrário dos EUA, o México tem ainda poucos casos de Covid-19 e, por isso, Nogales apareceu em todos os noticiários do mundo quando centenas de pessoas que vivem do lado pior bloquearam a fronteira para não serem invadidas por gente que vive do lado melhor.

Não há aqui nenhuma lição de moral, claro. O vírus tem-se encarregado de demolir todas as certezas, a começar pelas bravatas dos políticos. E, nesta matéria, López Obrador, o presidente mexicano, não tem ficado atrás de Donald Trump.


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Fique, o mais possível, em casa.

Veja, ou reveja, o tiquetaque dos 3'22'' do plano-sequência inicial de “A sede do mal”, de Orson Welles, ...




... passado na fronteira entre o México e os EUA. Ou, melhor ainda, veja o filme todo.

Leia livros, este que deu origem a esta crónica é um bom explicador do mundo.

Esta peste há-de passar.

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