Resista

Fotografia de Jue Huang


​resista. os papéis estão cheios,
não há quadros na sala, o quarto
é vazio e cansaço, mas existem
os maus poemas para serem
escritos, basta ouvi-los, escutá-los.
não consegue escrever o poema?
não consegue deixar de escrevê-lo?
ora, pense nos anos que virão, mas não
pense no amanhã, tão próximo e ardente.
onde fechar os olhos, cessar a alma?
foque, com insistência, na rua, nos passos,
no tempo onde come de mãos sujas a vida.
desista da torre, deponha o sonho.
aceite, está mais do que provado,
a vida é impossível ao meio-dia.
por que a fúria e gana de quem quer
vencer a partida a qualquer custo?
pense: é isto ou o silêncio, e você,
meu caro, sabe como o silêncio
infiltra-se, rói e persiste, ruidoso.
não desista das ninharias, do pó
sobre as flores de plástico, do ouro
de plástico e do que nele é possível
de lúdico e frio, pois tudo é isso:
lúdico e frio. que esperar mais?
as palavras estão gastas, gasto
está o mundo por onde anda
debuxando sonhos, tentando
vencer a tristeza por pontos.
mas você sabe, disseram que diríamos
e nada seria dito, eles acertaram Renan.
e enquanto o amor é só um verbete,
os papéis estão cheios. é preciso, pois,
escrever por cima, rasurar, decalcar.
o belo, meu caro, estava nos rios,
nas árvores centenárias, na morte,
quando a morte era só a última página.
resista. e nunca se pergunte, jamais,
o que poderia ser pior que isso.


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