A paisagem*

* Hoje no Jornal do Centro


1. No último Olho de Gato, descrevi que a nossa relação com a internet agora é, como se diz no Facebook, complicada. Isso está a mudar-nos pessoal e colectivamente.

A esperança acendida com a primavera árabe, à excepção da Tunísia, virou pesadelo. As novas formas de participação democrática online ou falharam ou ficaram-se pelos orçamentos participativos da treta com que se entretêm os nossos autarcas e os jotinhas.

Este desencanto das pessoas é uma alegria para os estados. Os governos sempre quiseram controlar a internet e agora, perante o faroeste em que ela se tornou, aproveitam.

No domingo de Páscoa, logo depois dos atentados no Sri Lanka, o governo desligou as redes sociais. Foi só mais um episódio de uma tendência que vai aumentar.


2. Portugal é Lisboa, o resto é paisagem. Todos os governos sem excepção têm sido centralistas, mas o actual abusa.

No dia 1 de Setembro, estava ainda a ser cozinhado o orçamento de estado nos bastidores, já Fernando Medina anunciava 60 milhões de euros para passes fofinhos para os alfacinhas. Depois, perante o clamor do resto do país, o governo lá arranjou mais umas dezenas de milhões de euros para diluir na paisagem.


Posto Galp, Praça Carlos Lopes, Viseu, 17 de Abril
Fotografia Olho de Gato
Agora, no dia 16 de Abril, como havia o risco de a greve dos motoristas secar os postos de combustível, a Resolução do Conselho de Ministros n.º 69-A/2019 prescreveu os seguintes serviços mínimos: “abastecimento de combustíveis aos postos de abastecimento da grande Lisboa e do grande Porto, tendo por referência 40% das operações asseguradas em dias em que não haja greve.”

Foi mesmo em letra de lei. Para o governo, a paisagem que ande a pé. Ou de burro.

Há aqui um padrão que o comportamentalista Ivan Petrovich Pavlov descreveu em laboratório em 1920: quem tem o verdadeiro poder na geringonça, como poliu durante muitos anos as cadeiras da câmara de Lisboa, como casou entre si, como se foi empregando mutuamente, tem um reflexo condicionado — saliva sempre primeiro por Lisboa.

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