A culpa

* Publicado no Jornal do Centro há exactamente dez anos, em 17 de Abril de 2009 



1. Está em exibição nos cinemas O Leitor, de Stephen Daldry. Este filme conta a história de Michael, um adolescente que conhece e ama com as hormonas aos saltos uma mulher com mais do dobro da sua idade. Essa mulher é Hanna, interpretada por Kate Winslet (merecidíssimo óscar de melhor actriz). É uma mulher enigmática que se relaciona com Michael, que o quer, fazendo parte desse querer ouvir a voz dele horas e horas a ler-lhe livros. Daí o título deste excelente filme – O Leitor.


Um amor de verão, um amor de uma vida.

Hanna tinha sido guarda num campo de concentração e é levada a tribunal. Centenas de prisioneiros tinham morrido fechados num lugar em chamas e Hanna assume essa culpa. Disse ela ao tribunal: “se as portas fossem abertas, dava-se o caos e os prisioneiros fugiam”. Ao fim e ao cabo, foi esse baixar de braços perante regulamentos e leis iníquas que oleou a máquina nazi.

O Leitor trata também da culpa de Michael que calou informação importante para o julgamento e para a sorte de Hanna.

Essa culpa individual e colectiva não é um exclusivo alemão, mas a Alemanha pagou-a bem caro, com o país retalhado durante décadas, e feridas que demoram a cicatrizar.

Como parte desse processo de exorcização da culpa, foram feitos na Alemanha milhares de filmes, séries de televisão e romances sobre Hitler e o Holocausto.

2. Portugal também tem duas páginas muito negras na sua história mas, estranhamente, não há grandes narrativas sobre a nossa culpa quer durante a inquisição quer durante o salazarismo.

Quanto a Salazar, o que tem aparecido são histórias que glamourizam o ditador, tornando-o uma espécie de arrasa-corações de botas, com direito a Soraia Chaves e tudo.

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