Dou-me mal com o que sou mas não mudo
Fotografia de Robert Anasch |
Os stôres queixam-se da minha letra:
estes gráficos do coração
às vezes nem eu próprio entendo.
Os joelhos quase não me cabem debaixo
da carteira velha,
o tampo entalhado de pesadelos.
As mãos começam a não caber nos bolsos
e quando as abro espero e não sei
muito bem o que fazer com elas.
Rapei completamente o cabelo no inverno.
E se no verão as botas não me caem dos pés
é porque calço seis pares de meias.
Volto da escola pelo trilho mais longo
a falar alto e a fazer heroísmos.
Deito-me às escuras com a tv ligada.
No canto espreita um espião: o olho verde
da aparelhagem. E no hálito do chamon
derreto a última pastilha elástica.
Estas olheiras logo de manhã
são aquilo que os meus pais mais censuram.
Mas doente como estou, já nem me dizem.
Fechado à chave na casa de banho
sem respeito pelos outros
morro longamente várias vezes por dia.
Rogério Rôla
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