Ele e ela (#2) *

* Publicado no Jornal do Centro há exactamente dez anos, em 1 de Agosto de 2008


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— Querida, este jantar é especial…

— É um jantar normal.

— …não vês? É o melhor restaurante da cidade. Abriu na semana passada.

— Almocei cá ontem com o meu chefe…

— Agora andas sempre ocupada. Sempre ao computador. Sempre ao telemóvel. Lá estás tu outra vez. Deixa lá as mensagens! Vamos conversar…

— Podíamos ter ficado em casa. Estou sem apetite.

— …em casa não falamos. Agora nunca falamos.

— Não há nada para dizer.

— Está aqui a ementa. Peixe ou carne?

— Escolhe tu qualquer coisa. Já te disse. Não tenho apetite…

— Uma dose de dourada grelhada, por favor, e um alvarinho branco fresco. Pode ser de Monção. Viste a carta do banco? Vamos pagar mais 12 euros na prestação.

— Estamos a ficar como o país: mais pobres e mais azedos.

— Olha, o indiano das flores! Por favor, uma vermelha… Para ti, querida. A tua cor.

— Escusavas. Nunca pensas no futuro. És sempre o mesmo!

— Tristezas não pagam dívidas.

— Dívidas não apagam tristezas.

— Não sejas assim! Porque andas assim?

— Assim como?!

— Ponha aqui a travessa, por favor. Cuidado com a flor! Posso servir-te?

— Não, eu sirvo-me.

— A dourada está boa.

— Assim-assim.

— A noite ainda é uma criança. Podíamos ir vadiar…

— Não. Quero ir para casa. Tenho que mandar uns mails.

— Guias tu ou guio eu?

— Guia tu.

— Deixaste a tua flor vermelha em cima da mesa…


* A série "Ele e ela" saiu nos verões de 2008, 2009, 2011 e 2012 no Jornal do Centro.



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